Sunday, December 30, 2007


Acontece todos os anos, e muitos fazem deste acontecimento, uma banalidade, parte da rotina, um simples dia igual a tantos outros.
Como é possível que o dia que marcou a humanidade, o dia que orienta a nossa vida ( porque há antes e depois desse dia), o dia que mudou o mundo, um dia tão especial seja banalizado, desprezado e materializado?
Eu já estava farto desta onda de consumismo que me inundava, de presentes, de lojas, de saldos, no meio de tudo isto eu só me questionava: e Ele? Onde está Ele no meio de tudo isto? Ele que se fez Homem e morreu por nós, será que o seu nascimento nos passa ao lado?

Estava a pensar em tudo isto quando dei por mim diante da Igreja dos Mártires, e parei para observar as pessoas que circulavam, todas carregadas de sacos com presentes, e no meio de tanta correria desenfreada, nem reparavam numa criança, que se encontrava de joelhos, diante da Igreja a pedir.
Todo o meu ser parou ao fitar os olhos daquela criança, que por razões que desconheço, se encontrava ali parada a pedir.
Ninguém parava para Lhe dar a mão, sim a Ele que se encontrava tão presente naquela criança, ninguém O via, tal como naquela noite em que Ele nasceu e em que ninguém Lhe abriu a porta.
Dei por mim com lágrimas nos olhos, porque é que não vemos o essencial? Será que nesta época faz mais sentido comprar tudo para toda a gente ou dá-Lo a conhecer aos outros e ir ao seu encontro?
Será que nesta época devo pensar mais em mim e no que quero ou nos outros? As respostas são muitas vezes obvias, mas é mais fácil fazer o oposto. É tão difícil no mundo em que vivemos não ser tentado a comprar coisas que muitas vezes nem precisamos, mas por serem bonitas ou aparentemente praticas facilmente entram na nossa casa.

Decidi ser diferente este ano, e fazer do Natal uma época de caminhada espiritual mas que transparecesse cá para fora, porque O queria dar a conhecer, então decidi que não ia comprar presentes, não ia gastar dinheiro com pessoas que já tem tudo, e o que lhes vou dar servira para ir para uma prateleira ou para juntar às dez mil coisas que já tem. Decidi ser diferente, e todo o dinheiro que tinha para comprar coisas para amigos e familiares, gastei o em: comida para crianças de orfanatos, roupa para sem abrigos, donativos para lares de idosos, livros para doentes de hospitais etc e Dei a cada amigo um cartão com um papel do sitio onde fui, a agradecer pelo donativo e o meu cartão dizia:

Este ano o teu presente foram cinco cobertores para o lar de idosos da minha rua, obrigado por me ajudares a dá-Lo a conhecer aos outros e por estares tão presente na minha vida.
Um Santo Natal e que Ele esteja sempre contigo.

Quando comecei a embrulhar os cartões, receei que as pessoas me pudessem levar a mal, e fiquei parado a olhar para o papel de embrulho que tinha diante de mim.
- Que se passa Miguel?- perguntou me a Rosinha quando me viu com todos os cartões de agradecimento das associações e lares a que eu tinha ido diante de mim parados e pousados no chão.
- Nada, estava só a pensar… será que alguém me pode levar a mal por eu não dar algo material e ter dado a outra pessoa que precisava mais? É que há pessoas que gostam imenso de receber presentes…- disse eu duvidoso .
- Claro que há pessoas que podem ficar ofendidas e estão no seu direito, mas não te esqueças do verdadeiro espírito do Natal, do seu verdadeiro significado, do nascimento de Cristo do impacto que isso teve e tem nas nossas vidas. Quando se duvida de alguma coisa, quando não se sabe qual o caminho a seguir, pensasse que faria Ele no meu lugar, fraquejava e dava presentes materiais que saberia que eles iam gostar mas que seriam inúteis e que passado um ou dois meses já nem seriam usados, ou daria algo aos que precisam, aos que muitos nem se lembram que existem?

Dei todos os cartões, uns estranharam, outros ficaram ligeiramente ofendidos, e outros adoraram a ideia.
Não é bem aceite pela sociedade em geral ser diferente e muito menos ser diferente neste aspecto de O dar a conhecer de uma maneira tão sincera, porque não ser conformista e dizer eu quero seguir Cristo, lutar contra a maré, dá –Lo a conhecer é difícil, mas com muita oração e muita confiança é possível, porque em Deus tudo é possível, Ele morreu por Nós e foi capaz de tanta coisa como é que nós não somos capazes de uma coisa tão simples como O dar a conhecer? Como dar aos outros um bocadinho do que Ele nos deu?
Neste Natal em vez de dar presentes vamos dá-Lo como presente, abrir as portas do nosso coração e mostrá-Lo aos outros, através de gestos, palavras ou simplesmente de um simples sorriso, porque é o melhor presente que Lhe podemos dar, e porque era exactamente o que Ele faria no nosso lugar, dar-Se.

Friday, December 14, 2007


Era tempo de esperar, esperar que a porta se abrisse que ela regressasse e que o meu sono pudesse voltar de vez.

Não sei que horas eram ao certo mas já passavam das três da manhã quando demos entrada no IPO, ela na maca e eu de pé, pálida, gélida e sem saber o que fazer. Passei lá a noite embrulhada numa manta a dormitar sobre as cadeiras, com um enorme sapo dentro de mim, e uma tristeza sem fim que de tempos a tempos me ataca e me fazia suar de ansiedade.

Foi no meio deste tumulto de sentimentos e de angustia que me lembrei d´Ele, como sofreu por nós, como também sentiu angustia, confusão, insegurança, como também Ele naquela noite se sentiu vulnerável e triste.

Estava a pedir Lhe pela minha amiga, que entretanto era operada, quando me lembrei de um tema que tantas vezes me esqueço: o tempo de espera.

O que é para nós hoje esperar? Fazemos de cada compasso de espera um escândalo, uma maldição, fazemos de cada minuto de paciência um calvário,esperar por um autocarro 10min porque se posso ir de carro? Ir ter com um amigo e esperar 15 min, nem pensar, e como estes há muitos mais exemplos, porque infelizmente hoje ninguém sabe esperar.

Esperar é aguardar com calma a chegada de algo, esse algo pode ser um evento, um acontecimento ou uma pessoa, esperar faz bem, enriquece nos, e faz nos crescer, porque temos que saber esperar, tudo tem o seu tempo.

Esperar por Ele que vem ao nosso encontro, também custa, ansiamos a sua vinda, aguardamos a sua chegada, e Ele vem quando tem que vir, Ele vem sempre isso bem o sabemos, e vem por nós, mas temos que saber esperar, e porque não preparar-nos para O receber aproveitar o tempo de espera para fazer algo por Ele, como limpar o nosso coração, arrumar a casa?

Também eu enquanto a esperava aproveitei para me preparar para a receber, lavei a cara, fui ao bar comer, e preparei me para ir ao seu encontro com um enorme sorriso e cheia d´Ele, para Lhe dar o meu melhor abraço e o melhor de mim ou seja Ele.

Thursday, October 11, 2007

Noticias de última hora:
Para grande surpresa de todos iniciei um novo blog, não significa que as estórias da carochinha tenham acabado muito pelo contrário apenas terão uma companhia, o Imagina só ( que está nos meus links ), é o meu blog pessoal em que partilho com quem quiser, um pouco de mim e do que gosto, lá encontrarão desde orações pessoas ( que colocarei também no blog Apenas oração do qual faço parte ), até livros que estou a ler, acontecimentos da semana, exposições, filmes etc basicamente um pouco de mim e do que me rodeia, espero que gostem, quem quiser dê lá uma espreitadela!


Eles ficaram mesmo satisfeitos com o novo blog e vocês?

Monday, September 24, 2007


Estava a cozinhar quando o João chegou, trazia um envelope na mão aberto, e lia animadamente uma carta.
Perguntei-lhe que carta era essa, que lhe roubava sorrisos e gargalhadas.
- É uma carta do Zé Vaz a convidar-nos para um jantar de reencontro de pessoas do nosso curso. – respondeu-me enquanto a desdobrava e me dava.

Peguei na carta, e logo percebi a boa disposição do João. O nosso amigo José, tinha escrito uma carta muito engraçada, em que recordava com humor e sarcasmo os anos passados na faculdade.

Parei por momentos de ler, e recordei aqueles bons anos na faculdade, as correrias para as aulas, as festas, os sorrisos, as palavras, os colegas, os amigos, os professores, e como não podia deixar de ser recordei os exames.
Exames, só a palavra, passados vinte anos, ainda me causava calafrios, o stress, o pânico, a ansiedade. Horas e horas sentada a ler, dores de cabeça, dores nos olhos, o cansaço, o sono, os jantares a que tive de faltar, noites mal dormidas, aulas ensonadas, os resumos, as fotocopias, os cafés com colegas, as duvidazinhas de última hora, a conversa com professores, a oração.
A oração sempre foi muito importante para mim, mas especialmente antes dos exames. Não é que rezasse mais, mas a minha oração antes dos exames era sempre única, não Lhe pedia por mim especialmente nem por aquele exame em particular, simplesmente não Lhe pedia nada, porque Ele sabia o que eu tanto queria e o que tinha feito para alcançar o que ambicionava.
Nos dias que antecediam o exame, os últimos dias de estudo, eu escrevia na mão direita em letras maiúsculas:
SÓ POR TI, JESUS

Centrado na minha mão, estava a razão de todo o meu esforço, e sempre que me custava mais estudar ou que estava ficar desmotivada, sempre que me apetecia levantar, desistir, ligar a alguém ou dar um passeio, sempre mas sempre que não me apetecia fazer aquilo a que me tinha disposto, olhava para aquela mão. Olhava e lia aquela frase, e por Ele, enchia me de força, mesmo que tivesse estado mais de três horas seguidas a estudar, mesmo que os olhos me doessem, mesmo que o cansaço já se fizesse sentir sobre o meu corpo, mesmo nas piores condições, por Ele eu enchia o peito de ar, e tentava dar o meu melhor, lia e relia tudo de novo, até me sentir de tal maneira exausta mas contente por saber que iria fazer o exame dando me a 100% como Ele se tinha dado.
Porque se Ele sofreu e morreu por mim, quem sou eu para não fazer tudo na minha vida por Ele? Quem sou eu para não dar o meu melhor todos os dias ,mesmo nas pequeninas coisas, como estudar, como ler um livro como decorar uma folha de um resumo, por Ele? É tão pouco, é uma migalha, a comparar com o que Ele fez e faz por mim.

Fechei a carta, olhei para a minha mão direita e sorri.
Hoje já não preciso de escrever na mão, é como se já la estivesse marcado, está assimilado, já faz parte de mim, a oração continua presente mas eu própria já dou por mim a rezá-la instantaneamente, e a dedicar-Lhe todas as minhas acções, toda a minha vida.






Queria agradecer a todos os que me enviaram mensagens de incentivo, e me deram força para continuar esta caminhada em que O transmito, ou pelo menos tento, transmitir aos outros através destas estórias.

Também Te agradeço Senhor por este ano escolar que passou, por todos os frutos gerados e por teres ido ao meu encontro de inúmeras maneiras, Obrigado!

Thursday, June 21, 2007


Estávamos num dos primeiros dias do Verão, o sol tocava me na cara, e o calor fazia se sentir. Fomos para o jardim com as crianças, colocamos os mais novos à sombra, e deixamos os mais velhos brincar livremente com um chapéu na cabeça.
Eu estava sentada a ler, enroscada numa cadeira de lona velha, e a beber sumo de limão. Quando vi que o Pedro se aproximava de mim. Fechei o livro e pousei o sobre a mesa.
Ele estava com aquele olhar típico de uma criança de nove anos assustada e amuada, sentou-se no chão, ao lado da minha saia.
Começou a brincar com as folhas de uma flor, e ficou ali amuado e calado. Pensei que estaria zangado com um dos irmãos, e dei lhe tempo para ver o que podia fazer.
Acabei o sumo de limão, e dei-lhe uma festa na cabeça.
Ele olhou para mim e disse-me:
- Eu nunca vi Deus – e fez aquele olhar triste que eu contemplara há pouco.
Espantada e atordoada pela pergunta inesperada disse-lhe:
- Nunca viu Deus?
- Sim, Mãe nunca O vi como a vejo, todos falam de Deus, e ainda hoje de manhã a D.Alice falou de Deus como se o sentisse ao seu lado a dar-Lhe a mão, e eu nem vê-Lo consigo.
Percebi que estava angustiado, e que sentia uma enorme tristeza porque se achava “pior” que os outros, por não O ter visto.
- Oh Pedro mas Deus não se vê como nós nos vemos. Deus esta em todo o lado, esta dentro de si e de mim, e dos seus irmãos, e da D.Alice, do Sr.Manel, de todos.
Deus faz-se sentir. – disse-lhe confiante e julgando que com aquela frase de Deus estar em todo o lado tinha acabado com as duvidas do meu pequeno benjamim.
- Sim Mãe eu sei, mas como é que sei se Ele existe se eu nunca O vi, com os meus dois olhos?- perguntou-me e corou subitamente provavelmente porque pensara que eu ia ficar incomodada com o facto de ele, estar a pôr em causa a existência de Deus, Nosso Pai.
Levantei-me, e dei-lhe a mão, caminhamos até ao cume mais alto da casa, onde o vento é tão forte que eu tinha de agarrar o meu saiote com ambas as mãos.
Quando uma rajada de vento se fez sentir, o Pedro berrou:
- Mãe esta muito vento aqui!
- Eu sei, vamos descer.
Chegados ao jardim disse-lhe:
- Oh Pedro alguma vez viu o Vento?
Ele parou, e ficou a olhar para mim espantado com a pergunta ridícula que lhe fizera.
- Claro que não o Vento não se vê!- e riu-se.
Então eu disse-lhe:
- Mas se nunca o viu como sabe que há vento?
Ele olhou para o chão, agarrou uma flor e respondeu-me:
-Porque vejo o que ele faz, porque sinto ele a passar por mim.
- Faz o quê?- insisti.
- Faz a saia da Mãe voar, os vasos abanarem, os cabelos ficarem despenteados…
Baixem-me até ficar ao nível da cabeça dele e disse-lhe:
- Deus age como o Vento, nós não precisamos de O ver, com os nossos olhos para saber que Ele existe, porque nós vemos O que Ele faz, Ele age através das pessoas, tal como o vento abana tudo, Deus através do Espírito Santo intercede junto das pessoas, e é pelas suas acções que O vemos tão presente. Como quando alguém ajuda outro, ou um sorriso inesperado, ou aquele abraço tão forte que nos dão, são tudo gestos de Deus.

Pela primeira vez naquele dia o Pedro sorriu-me, e abraçou-me.

Passaram mais de cinquenta anos desde aquela tarde, hoje estou sentada na escrivaninha do meu quarto à espera que me venham buscar para ir à missa.
Gosto muito de ir à missa especialmente quando é celebrada pelo meu filho, o Padre Pedro, não é que seja melhor ou pior que as outras missas, mas gosto de ver o meu filho explicar às crianças que O sente, que Deus é como o Vento não se vê mas sente-se e age através dos outros, porque nos ama imensamente.


Para o Joaquim ( http://queeaverdade.blogspot.com/ ), e para o António (http://www.amar-tesomente.blogspot.com/), que são duas pessoas que escrevem tão bem e que O fazem sentir tão presente nos seus cantinhos de Oração, aos quais eu tenho ido tão pouco ultimamente devido aos meus exames.

Monday, May 28, 2007


Há dias cheguei a casa estoirada, parecia que o meu corpo cedia ao peso da roupa. Como se umas calças de Lycra e uma t-shirt fossem suficientes para me deixarem sem forças… Na verdade estava mesmo cansada, tinha estado a correr durante duas horas. O suor escorria-me pelo pescoço, e descia pelas minhas costas, mas sentia me bem, quando corria tudo o que estava a minha volta e dentro de mim desaparecia; árvores, rostos, lojas, angustias, tristezas, pensamentos, deixava me levar pela dor “de burro”, e pelo sofrimento de querer parar.
Fui me deitar, dormi mais de dez horas, mas acordei ainda mais cansada.
Ao inicio pensei que o cansaço se devesse ao facto dos meus músculos estarem doridos, podia ter sido de ter feito exercício a mais, mas os dias passaram e o cansaço persistia, pensei que estava doente, mas a febre não aparecia e dores também não, contudo no meio de tudo isto o cansaço persistia e aumentava de dia para dia.

Um dia não pude mais, estava farta de sentir este cansaço, de não parar para pensar, e tive que o enfrentar, não fui correr, não fui ler, parei simplesmente, e dei por mim a entrar numa capela, já não o fazia há tanto tempo.
Sentei me no primeiro banco logo à entrada, e não rezei. Fiquei simplesmente parada a pensar, percebi que o cansaço era algo que eu sentia cá dentro não era um cansaço físico. Olhei para o altar, e vi O, olhava-me com olhos de Amor e perguntava-me porque não Lhe falava desse cansaço que sentia.
Fiquei ali em silêncio, enquanto Ele me falava, dizia-me que me abrisse a Ele, mas eu continuava teimosamente fechada.

O tempo passou, e Ele continuava a insistir , não desistia e dizia-me, para Lhe dizer o que me preocupava. Eu respondi-Lhe que não era nada de especial, que havia quem tivesse em situações bem piores, e que Ele devia era ir ao encontro desses, que eu cá me arranjava, foi então que Ele me disse:
- Teresa pára, não percebes que te amo intensamente, e que não gosto de te ver assim? Desde quando é que as preocupações dos outros são mais do que as tuas? Tu és minha filha muito amada, e para mim as tuas angustias e as tuas alegrias, são importantes.Partilha comigo, fala filha, não te feches sobre ti mesma, deixa-Me ajudar-te.
Fiquei a olhar para aquele rosto, cheio de Amor, que sofria por mim, e pedi-Lhe que me perdoasse.
Ia começar a falar, quando Ele me disse:
- Sabes esse cansaço que sentes, eu também o sinto, eu sei porque estás tão cansada por dentro.
Fiquei perplexa a olhar para Ele, lembrei me que Ele me conhecia mesmo antes de eu própria me conhecer. Abri a boca pela primeira vez e disse-Lhe:
- Estou cansada, parece me que a cruz que carrego é mais pesada, ou então fiquei mais fraca.- e calei-me à espera que me respondesse.
-É verdade que estás cansada, mas a cruz que carregas é a mesma desde do dia em que nasceste, parece te mais pesada, pensas que enfraqueceste, mas na verdade, o que se passa é que a tens carregado sozinha.
- Sozinha? –perguntei incrédula.
- Sim, essa cruz sempre a carregamos os dois, mas ultimamente puxaste o peso todo para o teu lado, e apenas Me deixas acompanhar o teu passo. Não me deixas tocar na tua cruz, aliviar te o peso, não a partilhas Comigo, por isso é que te parece mais pesada.
Calou-se e eu corei, nem sabia que Lhe dizer, estava tão envergonhada, mas respondi-Lhe:
- Senhor perdoa-me, mas penso sempre que os meus problemas são tão pequenos, não te quero preocupar, e também não sei como lidar com eles .- nesse momento as lágrimas escorreram-me pela cara, e senti uma mão sobre a minha.
- Não chores, as tuas angustias, as tuas alegrias, as tuas preocupações, mesmo que te pareçam pequenas são tuas, e só por isso interessam-Me, partilha Comigo o que sentes, deixa-Me ajudar te e carregaremos juntos a Cruz.
Não te isoles, não rezes menos só porque te sentes triste, Eu estou sempre aqui, partilha comigo a tua vida, não me abras a porta só quando tens a casa arrumada, deixa-me ajudar te a limpar o teu quarto, deixa-Me abraçar te.
Ouve-Me, deixa-Te guiar por mim, confia.

Ajoelhei-me e permaneci ali o resto da tarde, partilhando com Ele a minha vida, e pedindo-Lhe que nunca me abandonasse porque sem Ele nada sou.

Wednesday, April 18, 2007


Ainda me lembro da primeira vez que vi o Ricardo, estava ele sentado à entrada da capela onde mais tarde nos viríamos a casar. Entrei discretamente e reparei no sorriso daquele rapaz que falava a Deus com uma enorme alegria.

Os nossos olhares cruzaram-se e nunca mais me esqueci daquele olhar, penetrante, suspenso misterioso, olhava para mim como se nada mais interessasse, como se eu fosse a única pessoa daquele local.

Cruzamo nos mais vezes e aos poucos e poucos fomos nos dando a conhecer, a defesa que erguíamos desfez-se e cativamos mutuamente criamos laços e unimo-nos numa forte amizade que mais tarde foi a base para um namoro que teve como principal pilar a fé que ambos partilhamos em Cristo.

Hoje olho para a nossa relação e sinto orgulho por termos crescido tanto com o passar dos anos, não só em termos familiares, tivemos cinco filhos e quinze netos, mas também em termos de fé, crescemos juntos como casal, como amigos no Senhor.

Recordo aquele olhar que o Ricardo me lançou e vejo O olhar do Senhor, que nos ama totalmente, esse olhar é de tal maneira marcante e único, nesse Olhar é como se Deus se esquecesse de tudo o resto por nós, para Deus nós somos, cada um de nós é, Um filho muito amado, uma pérola preciosa que Ele cuida, trata, protege e molda!
Cada um de nós, com os seus defeitos e qualidades, que Ele aceita, cada um de nós que magoa, mas que Ele perdoa.

Este amor de Cristo é algo impressionante, só o consigo comparar ao Amor que senti quando os meus filhos nasceram, um amor sem limites, de entrega, de compaixão , um amor que se sente e que dá vontade de chorar, um amor transparente, verdadeiro, único, uma alegria enorme, um Amor que nos ultrapassa que nos enche por dentro, como o Amor que eu sinto pelo Ricardo que só me apetece sorrir-lhe sempre que o vejo, um amor sem fim, é esse o Amor de Cristo, um Amor que não tem principio nem fim, um amor incondicional, um amor de Pai, e é com esse Amor que eu quero viver sempre, porque só esse Amor me basta.

Sunday, April 08, 2007


Não me lembro de ter tido alguma vez medo de morrer. Lembro-me de ter menos de dez anos e de pensar na morte não na minha mas da dos que me rodeavam. Talvez a morte não me assustasse por me ser desconhecida, contudo um dia alguém que vivia perto da minha casa morreu, e eu só pensava com curiosidade em vez de medo, no dia em que eu iria morrer.

Chegado a casa perguntei à minha avó se eu podia morrer no dia seguinte, ela deve ter pensado que eu estava com medo e disse-me com um sorriso carinhoso que eu não ia morrer tão cedo, que ia ter muitos filhos, seria um dia também avô, e viveria muitos e longos anos.
Mas dias mais tarde, pensei que não me lembrava do dia em que tinha nascido, e pensei que tal como eu não tinha pedido para nascer, eu também podia não pedir e morrer, e pela primeira vez essa ideia assustou-me, e se o dia fosse nessa semana?

Estava a pensar nesses momentos de crescimento de duvida, de introspecção quando a Luísa apareceu à minha frente e perguntou-me em que pensava. Contei-lhe a minha história de infância e ela disse-me:
- Porque estavas a pensar nisso?- e abraçou-me com ternura como se falasse da morte fosse assunto proibido.
- Sabes Luísa – respondi-lhe- hoje estava a colocar a mesma duvida, e se a minha morte fosse amanhã? Sim amanhã, vinte e quatro horas na Terra, nem mais uma nem menos uma, que faria eu se o soubesse?
Olho para mim com um ar sério e disse:
- Oh João não digas parvoíces, nós não sabemos qual é o dia da nossa morte e ainda bem- respondeu-me
-E ainda bem, tens razão porque se soubéssemos de certeza que viveríamos profundamente infelizes porque sentiríamos revolta por uns viverem mais tempo do que nós, sentiríamos ansiedade até à chegada desse dia, e viveríamos pela metade, para supostamente aproveitarmos melhor a vida. Mas partindo do pressuposto que sabíamos que íamos morrer amanhã que faríamos de diferente, como seria esse nosso último dia?

Ficou parada a olhar para mim sem saber o que dizer, e eu disse-lhe:
-Sabes se eu soubesse que amanhã era o meu ultimo dia, faria tudo da mesma maneira, viveria o dia com a mesma calma, apenas mudaria três atitudes, sairia do trabalho mais cedo para ir à missa, para Lhe agradecer pela vida que me deu, não te diria que ia morrer mas passaria todo o dia a repetir que te amava mesmo sabendo que tu o sabias, e iria jantar com os meus familiares que não me vêem muitas vezes, porque queria jantar com pessoas que me amam e a quem tantas vezes não consigo dar um pouco do meu tempo.
- Então irias trabalhar? Viverias esse dia com calma, sabendo que irias morrer? – perguntou-me incrédula.
- Sim Luísa, viveria na Paz do Senhor pois dai a algumas horas, iria ter a honra de O abraçar.

Tuesday, April 03, 2007



Sempre adorei as aulas de história, gostava de ouvir a Professora a contar histórias de acontecimentos passados e imaginar cada um deles, reis a governar, cavaleiros a combater, casas a ser erguidas, muralhas a serem construídas etc Para mim todas as aulas eram magicas e saia da sala com uma enorme vontade de saber mais de ler mais sobre cada batalha, cada rei e cada país.



Contudo um dia entramos num capitulo sem reis, sem batalhas, sem países, entramos no capitulo da Pré Historia, supostamente já o devíamos ter sido leccionado, mas devido a alterações no programa ficamos com o capitulo atrasado.


Ao inicio não gostei do novo capitulo, estranhei a mudança, rejeitei a ideia de não existirem batalhas, de só existirem homens nómadas a apreender a comer, a procurar abrigo e a pintar nas paredes das grutas.


Relembro me de uma aula em que deixei de lado a minha rejeição pela pré historia e a minha curiosidade invadiu me de novo, a Professora estava a contar como é que os primeiros Homens começaram a caminhar de pé, na posição erecta, porque ao inicio os Homens caminhavam como os animais em quatro patas, mas um dia um deles deve ter sido capaz de se levantar e deve ter visto as coisas de maneira tão diferente que nunca mais se baixou, pelo menos foi assim que eu imaginei o momento em que o primeiro Homem se ergueu como nós fazemos, imaginei um Homem macaco a levantar-se lentamente e de forma desequilibrada, agarrando-se a um tronco de uma árvore e observando maravilhado o meio que o rodeava, como se todas as árvores, todas as plantas e toda a terra fosse nova para ele, porque naquela posição tinha uma visão clara e aberta, uma visão completamente diferente da que tinha quando caminhava com as quatro patas.



No outro dia estava a pensar na imagem que tive nesse longínquo dia, do Homem macaco a levantar-se e a ver tudo de maneira tão diferente, porque este simples passo mudou toda a sua vida, foi um verdadeiro salto para ele. Olho para este salto que ele deu, e associo aos enormes saltos que muitas vezes temos que dar na nossa vida para vermos as coisas de maneira diferente, às vezes precisamos de dar um pequeno salto, para vermos as coisas de outra perspectiva, por exemplo ao nível da nossa fé.


A fé cresce e desenvolve-se com o tempo, mas precisa de ser cuidada, os laços tem que ser reforçados, e precisa de muitas vezes de mudar, ou seja de expandir, um salto na nossa fé, pode nos parecer algo enormíssimo e impossível, mas confiemos n´Ele porque dando-Lhe a nossa mão, e acreditando tudo é possível, porque a Deus nada é impossível.


Imagino o salto que terei de dar na minha fé, e assusto me como se estivesse perante um precipício, mas logo de seguida Ele dá-me a mão e puxa-me, e juntos saltamos de mãos dadas para o outro lado, para a outra margem, e quando olho para trás vejo a beleza do local por onde passei, e vejo que o salto valeu a pena, pois sem esse salto, eu não poderia usufruir da paisagem.


Agarro-Lhe a mão com mais força, e caminhamos juntos o resto do percurso que ainda é longo.

Thursday, March 15, 2007




Não tenho aptidão natural para lidar com as pessoas no geral. Gostava imenso de ter, de me dar logo a conhecer, de me abrir aos outros e deixá-los entrar. Mas não sou assim, simplesmente ponho defesas, fico desconfiado e no fim, dou metade do que podia dar.

Sempre fui assim com a maioria das pessoas, mas especialmente com o namorado da minha irmã. Os meus amigos dizem que já não tenho idade para fazer “birras”, e que devia era ir ver uma “futebolada” com ele para logo nos entendermos.
Na verdade já temos idade para pormos de lado as divergências e apertarmos as mãos, contudo aquele feitio dele, a maneira como se comporta na minha casa, e o que faz à minha irmã, faz me “ferver” em pouca água.

Isto foi sempre assim, até ao início da Quaresma. Estava a reflectir na minha caminhada desta Quaresma, neste tempo de recolhimento, de oração intensa, de silêncio interior e de conversão, quando a minha irmã entrou no meu quarto e informou-me que o Francisco ia jantar a nossa casa e partiria connosco para a casa de campo.
Irritado interrompi o meu momento a sós com Deus, semi cerrei os olhos e levantei me bruscamente.
Só me apetecia gritar, como era possível? Ele que só maltratava a minha irmã, mas que dizia que gostava dela, ele que nos envergonhava perante convidados, ele que só sabia irritar-me e tirava gozo disso, ele ia passar um fim de semana na minha casa, debaixo do mesmo tecto, no meu quarto.

Nesse momento de irritação, de revolta e de crise, Ele falou-me, foi ao meu encontro, pedi-Lhe que me perdoasse por ter interrompido a oração, mas naquele momento não estava com cabeça para Lhe falar. Perguntou-me porquê, e expliquei-Lhe que o namorado da minha irmã que eu não simpatizava iria estar ao meu lado durante alguns dias a chatear me a cabeça. Permaneceu em silêncio, e depois disse-me:
- É isso que te preocupa?
Fiquei pálido, como é isso que me preocupa? Estamos perante uma coisa irrisória, uma pessoa indecente, mal-educada e chata que vem viver debaixo do meu tecto e é apenas e só namorado da minha irmã como queres que me sinta?
Senti que se ria, não por gozo, mas um riso de Pai, que desfaz os nós que os filhos fazem, os nós das complicações, os nós da amargura, da tristeza, da dor. Um riso carinhoso, despreocupado e envolvente.
- Porque não o recebes como me receberias a Mim?
Perante aquela pergunta respondi-Lhe chocado:
- Estás me a dizer para recebe-lo como se fosses Tu que fosses dormir ao meu lado naquele quarto? Colocando diante dele todas as regalias, luxos, e mordomias que faria perante Ti? Queres que lhe dê o que te daria a Ti? Todo o meu Amor carinho, dedicação e interesse? Oh Senhor, perdoa me não sei se sou capaz- disse-Lhe tristemente.
- Quero. Quero que o recebas como se fosse Eu, em carne e osso que estivesse debaixo do teu tecto, porque como sabes e muitas vezes te esqueces Eu, estou em cada um de vós e não só nos que vês como amigos, eu estou no vagabundo que te pede dinheiro, estou no chefe que te maltrata, estou no colega que te olha de lado, estou na idosa que esta internada, na criança que chora na rua, estou em todos e em cada um, mesmo naqueles que não Me revelam, e me escondem, Eu permaneço sempre neles.
Também estou no Francisco e tu não me vês, mas Eu estou lá, dentro do seu coração.
Por isso vai, e recebê-o como me receberias a Mim dando lhe o melhor de ti, e não te preocupes porque sei que és capaz, basta acreditares cegamente, mete os planos de lado, e dá o melhor de ti, sem limitações, entrega-te ao outro como o farias se fosse Eu que estivesse ao teu lado, porque sou.

Perante as suas palavras, e após um momento de longo silêncio, aceitei o enorme desafio que Ele me propunha e parti para a sala, arranjei coragem e força, e abracei o Francisco logo quando entrou, custou-me abrir os braços e envolvê-lo, custou-me mudar de atitude e dar o primeiro passo, custou-me dar-lhe a cama de cima, no meu quarto na casa de campo, mesmo não gostando da de baixo, custou-me imenso, mas valeu a pena. Fui eu que dei o primeiro passo, e ele sentiu que algo tinha mudado e gostou, e cooperou para que a nossa relação melhorasse, ao inicio deve ter estranhado mas o amor facilmente se mutiplica em amor, e quando demos por nós já tínhamos colocado as divergências de lado, e laços tinham sido criados.

No final da semana agradeci-Lhe pela oportunidade que me deu de crescer no seu Amor, e pedi-Lhe que me perdoasse por ser tão egoísta, mesquinho e infantil.
- tenho tanto que crescer e que mudar, que preciso de fazer Senhor?
Senti que me colocava uma mão no ombro e dizia-me:
-Confia em Mim totalmente, sem receios, sem medos, coloca-te diante de Mim, sem defesas , dá-Me as tuas preocupações as tuas angustias as tuas alegrias, todo o teu ser, não fiques pela metade. Porque Eu moldar-te-ei.

Comecou assim a minha caminhada nesta Quaresma com grandes desafios, mas que com Ele se tornam mais fáceis de realizar, porque me dá a mão e me agarra, dando me força para fazer mais e melhor.

Wednesday, February 28, 2007


Não me lembro que idade, teríamos quando nos conhecemos. Desde que me lembro de mim que me lembro da Leonor. Deve ter começado tudo na escola primária, entre boiões de tinta, encontrões no recreio, plasticina e muita sesta.
Os anos passaram, e crescemos juntas, primeiro partilhando bonecas, depois livros, mais tarde segredos, depois orações. Fizemos a primeira comunhão juntas, fizemos um percurso na Fé juntas e sem nos darmos conta a nossa amizade foi crescendo em Cristo.

Olho para a amizade que construí com a Leonor e não consigo deixar de pensar automaticamente na frase do Principezinho “ Cativa-me “, para mim ela é como a raposa, e foi sendo cativada por mim e eu por ela e quando demos conta já ambas tínhamos criado laços .
Laços cheios de nós, e fortes porque foram dados por nós e reforçados com Ele.
Não consigo olhar para a nossa amizade sem me lembrar de uma brincadeira nossa em crianças, em que ambas éramos ovelhas e Cristo era o nosso pastor, porque ouvimos a parábola da ovelhinha perdida e pensamos que Ele é o nosso pastor e nos guia no Prado que é a nossa vida, e nós somos simples ovelhinhas que caminhamos atrás d´Ele percorrendo o seu percurso de Amor.

Todas as amizades são ligações. Ser amigo é dar-me a conhecer ao outro, não é dar o que me apetece ou o que me convêm, uma amizade é deixar o outro entrar dentro de mim e descobrir quem sou. Quando conhecemos alguém e vamos ficando amigos dessa pessoa é como se levantássemos um véu de uma mesa, e fossemos vendo como Ele a vê, porque nas verdadeira amizades nada se esconde e o véu que nos cobre desaparece.
Numa amizade, é como se estivessemos perante um processo de osmose, em que há troca de impressões, de Amor, de carinho, há um dar mas sem a necessidar de receber, um dar por Amor, um dar por Entrega seguindo o exemplo d´Ele.

Mas para falarmos de amizade não podemos deixar de falar de Cristo, que é mesmo nosso Amigo, e que nos ama, como ninguém, que é tão nosso Amigo, que Deu a vida por Nós, que é tão Nosso Amigos que nos dá a mão mesmo quando O negamos, quando não O ouvimos, quando Lhe viramos as costas, é tão nosso amigo que não desiste e vem ao nosso encontro sempre.

Por isso é que eu considero que todas as amizade são sagradas, porque amigos a sério são tão poucos, mas tão bons, contudo amigos no Senhor não são melhores que os outros mas tem sem duvida um lugar especial no meu coração, porque tê-Lo numa amizade é enriquecê-la, é permitir que os nós que unem os laços sejam mais fortes, e que nunca se desfaçam, como o nó que nos une a Ele e que tantas vezes tentámos desfazer contudo Ele nunca o permite por Amor.




Este post foi escrito, a pedido do Sedente, da Maria João e do Joaquim, devido a um desafio que tem sido proposto para se escrever sobre a Amizade.


Lanço o desafio e se Caminante (http://sonmishuellaselcamino.blogspot.com/), a Nônô (http://fiat--lux.blogspot.com/), o Andante (http://peregrino-andante.blogspot.com/), a Catequista (http://caminhandoaoencontro.blogspot.com/ ), e a Menina das estrelas (http://www.miminhosepapasdeleite.blogspot.com/) aceitassem o desafio e escrevessem também sobre a amizade? Fica aqui a proposta

Monday, February 19, 2007


Não sou muito dado a compras. Só vou quando tem mesmo que ser. Prefiro estar em casa a ler um bom livro, a passear com a Francisca, ou ainda a escrever cartas a amigos, do que estar no meio das lojas abafado por entre o consumismo desenfreado e a multidão.

Mas naquela manhã tinha mesmo que ir, eu e a Francisca fazíamos anos de casados, queria lhe comprar um presente. Arrastei me pelas lojas, tentei apaixonar me pelas montras, por algo que me chamasse à atenção, mas não estava inspirado.

Estava a entrar numa loja, muito desanimado quando vi uma senhora de alguma idade com muita dificuldade a carregar um saco, ela queria desesperadamente abrir a porta, e estava sem forças para o fazer. Como era natural abri e deixei-a passar, ela além de ter feito um enorme sorriso respondeu:
- Sabe hoje em dia, há tão poucos cavalheiros, obrigadíssima Senhor.
Fiquei meio atrapalhado e não percebi muito bem aquele “Senhor”.

Saí daquela loja passado pouco tempo, e um rapazinho estava na rua a caminhar lentamente à minha frente e a brincar com uma bola, não deve ter reparado numa pedra que estava no canto do passeio e tropeçou, meio atordoado, ia cair, quando eu o agarrei e puxei contra mim. O rapaz parou por momentos, encostou-se ao meu peito e sorriu-me.

Mais à frente noutra zona comercial, continuava eu o meu percurso irregular, quando vi uma rapariga alemã com um enorme cartaz a gritar na rua, curioso aproximei-me e li: “ Abraços Grátis “ escrito em letras Verdes, e com alguns erros, mas com uma boa intenção, ela viu-me e abraçou-me, dei por mim a abraçá-la e a sorrir.
A seguir a mim, um grupo de pessoas fez questão de a ir abraçar também.

Decidi entrar numa Igreja, podia ser que com a graça do Espírito Santo e com uma conversa com o Pai me surgisse alguma ideia para comprar o presente. Entrei e fiquei lá mais de meia hora, o silêncio envolveu-me, e deixei-me conduzir pelo Amor do Pai. Nesse momento percebi que cada vez gosto mais de Lhe falar. Foi assim que no meio de muita oração, revi o meu Dia, e estava a agradecer pelos acontecimentos deste quando me apercebi do valor dos pequenos gestos.

Pequenos gestos, são gestos que são simples, são discretos e ao contrário da sua denominação são grandes. São grandes na medida em que podem mudar muita coisa.
Um gesto no nosso dia pode alterar todo o rumo do mesmo. Há uns anos um amigo meu contou me que tinha lido uma história verídica que relatava a mudança de toda a vida de um jovem universitário a partir de um simples aperto de mãos. Este jovem ia para casa suicidar-se, sua mãe tinha morrido à pouco mais de dois meses, ele tinha chumbado a imensas cadeiras e a namorada tinha-o deixado, a vida estava a correr-lhe tão mal, e no dia em que caminhava para casa decidido a acabar com a sua vida, foi assaltado e espancado. Um idoso encontrou-o inconsciente no meio da estrada, e deu-lhe a mão, deu-lhe a mão e levou-o para sua casa, tratou dele e ajudou-o a dar a volta às situações que o rodeavam, e só este simples gesto mudou-lhe a vida.

O mesmo acontece quando abrimos a porta a alguém, quando aparamos uma queda, quando sorrimos, ou ainda quando agradecemos algo. São estes simples gestos que podem mudar um dia, porque embora nos pareçam insignificantes, é nas pequeninas coisas que Ele se manifesta, num sorriso, numa mão, num “Obrigado”, Ele é discreto, e sussurra-nos ao Ouvido o seu Amor constantemente, é através destes actos que nos passam tantas vezes ao lado, que Ele se manifesta e nos acolhe, nos encoraja, nos motiva a continuar.
Quantas vezes depois de um dia que correu menos bem, não ficamos mais contentes por ouvirmos um “Obrigado” sentido, por termos aberto uma porta a quem mais precisava, por termos recebido um sorriso sincero?
Nessas alturas, Ele abraça-nos, e envolve-nos. Nessas alturas é como se aquela mão, fosse Ele a empurrar-nos e a dizer-nos:” Vai Filho estás no bom caminho e Eu estou contigo sempre, anima-te.”

Os pequenos gestos também têm uma coisa óptima, é que é através destes que nos podemos Dar aos outros. Será que custa muito deixar uma pessoa passar à frente na fila para pagar? Será que nos dói sorrir? Porque dar-mo-nos ao outro, é também dar a conhecer o Amor de Cristo através de gestos que marcam.

Percebi que sempre que praticamos o bem, sempre que fazemos pequenos gestos, é nessas alturas que deixamos Cristo viver em Nós, e não somos nós os autores daquele acto de Amor é Cristo que se dá a conhecer aos outros através de nós.
Por isso quando nos agradecem, estão a agradecer-Lhe a Ele que se dá a conhecer através de nós.

Saí da Igreja com uma enorme vontade de dar a conhecer a todos o Amor de Cristo, mas de repente apercebi-me das horas, tinha me esquecido do presente da Francisca.
Sorri ao pensar no que lhe ia oferecer.

Cheguei a casa com um enorme sorriso, a Francisca abriu-me a porta mal humorada e disse:
- Nem queiras saber como me correu o dia hoje… - e olhou para mim cabisbaixa enquanto caminhava para a cozinha.
Não deixei que ela continuasse a frase, abracei-a e ofereci-lhe um enorme ramo de lírios brancos, beijei-a e disse:
- Será que agora esta a correr melhor?
Ela sorriu-me, e abraçou-me e ficamos assim por momentos a aproveitar este gesto que iria melhorar o nosso dia.

Sunday, February 11, 2007


Não sei se é por termos o nome em Comum, mas sempre gostei de Joana Beretta Molla. É um verdadeiro exemplo de entrega, de coragem e de Amor.

No blog do meu amigo Sedente está muito bem relatada a vida desta Cristã que viveu a vida em pleinitude , aconselho a irem lá dar uma olhadela, deixo aqui o endereço http://sede-de-deus.blogspot.com/2007/02/rosto-de-joana-beretta-molla.html

Acho que este exemplo de vida, de santidade e de Entrega é optimo para nos fazer reflectir na nossa vida, e nas nossas escolhas, especialmente hoje.

Saturday, February 10, 2007


Comecei a namorar com o Rodrigo estávamos os dois na faculdade, encontramo-nos por acaso num corredor, uma troca de olhares foi o início daquilo que começaria por ser uma boa amizade que mais tarde se tornaria em namoro, e passados alguns anos em casamento.

Recordo os primeiros anos do nosso namoro com muita alegria, ainda mal nos conhecíamos e desde o início comprometermo-nos a fazer juntos um percurso na Fé.
Íamos e vamos à missa juntos, rezávamos e rezamos juntos, e unimo-nos desde logo em Deus, permitindo que o Seu Amor nos juntasse e tivéssemos uma abençoada união a Três.
A nossa amizade ainda hoje é uma amizade no Senhor.

Casámo-nos em Setembro numa pequena capelinha em Azeitão, passados quase quatro meses descobri que estava grávida. Foi com enorme alegria que recebemos este Dom que o Senhor nos deu.

Meses mais tarde soube que uma amiga minha também ia ser mãe, pensei que ambas partilhávamos a alegria de receber esta dádiva de Deus, contudo quando lhe liguei, ela pareceu-me triste e desanimada, já tinha três filhos e não queria ter mais. Disse-me que aquele filho não era desejado, e que estava fora de questão tê-lo. Já tinha falado com o António, seu marido e pai da criança, e ambos concordavam que não queriam aquele filho, que só traria despesas, e que a fome poderia ser maior à mesa.
Tentei persuadi-la a ter a criança, mas as minhas palavras caíram como folhas num deserto que eram logo levadas pelo vento.

Desliguei o telefone, e fui tomar banho. As lágrimas corriam-me pela cara sem parar, a tristeza de não ter conseguido ajudar aquela família, de não ter o dom da palavra, de nada de ter feito faziam-me sentir pessimamente.
Toquei na minha barriga que já tinha algum tamanho, senti aquela criança que tinha no ventre. Pousei ambas as mãos sobre a barriga, e rezei.
Rezei por todas as crianças que não iam nascer, por todas as crianças que os pais consideram não desejadas. Mas o que é um filho desejado? Ou melhor qual é a diferença entre um filho desejado e um filho não desejado? Eu sempre pensei que todos os filhos eram desejados, na medida em que todos os filhos são igualmente amados pelos seus pais, e todos os filhos são dadivas do Senhor. Não podemos considerar um filho que foi concebido sem termos pensado em tê-lo, como um filho não desejado, porque este filho não é de maneira alguma inferior aos outros, este filho tal como os outros foi uma dadiva de Deus, e como os outros contem o nosso ADN, contem um pouco de nós.
Eu e o Rodrigo não desejámos este filho na medida em que não planeamos tê-lo, mas ficamos desejosos por o receber pois ambos sabíamos que tínhamos que acolher este bocadinho de Deus que nos tinha sido confiado.

Quando ouvi a minha amiga a dizer que tinha dentro de si, um filho não desejado, pensei imediatamente no ridículo que era ela utilizar a palavra “desejado” na medida em desejar é querer algo, “eu desejo comer chocolates, eu desejo ter uma casa enorme, eu desejo um bom emprego”, enquanto que um filho é muito mais do que um desejo, um filho pode aparecer numa altura que não nos parece própria, um filho pode parecer que nos vai estragar a estabilidade financeira, um filho vai nos dar trabalho, vai nos tirar tempo vai nos roubar espaço, e se víssemos as coisas dessa perspectiva nenhum filho seria desejado, porque todos os filhos dão trabalho, todos os filhos dão custos, todos os filhos nos tiram tempo, e dão-nos mais cedo ou mais tarde dores de cabeça.

Um filho não é como as outras coisas a que estamos habituados porque um filho não é uma coisa, e por não ser coisa não pode ser desejável na medida em que as coisas são desejadas.
Embora possa parecer paradoxal, eu percebo que as mulheres desejem ser mães, mas tenho a certeza que não tem um desejo como tem de ter um carro, ou uma casa, ou de ir às compras, porque um filho não é um capricho que possa ser planeado e alterado como quando nos dá jeito.
Um filho é muito mais do que isso.

Sai do banho, encharcada em água e em lágrimas, o Rodrigo encontrou-me sentada na cama a limpar o cabelo, e preocupado perguntou-me:
- Que tens? – Respondi-lhe de seguida:
- Estou a rezar pelos filhos não desejados. – e uma lágrima soltou-se do meu olho.

Ele olhou para mim com tristeza e disse:
- Rezemos juntos por estes filhos do Senhor que tantos se recusam a acolher, por causas muitas egoístas, rezemos para que os Homens compreendam o valor da vida e lhes dêem um espaço nesta sociedade que avança cada vez mais para o egoísmo, e para a morte. Porque com a força do Espírito Santo muitas mentes mudarão e muitas vidas serão salvas. Acredita.
( Imagem do blog que se encontra nos meus links como a Melhor ilustradora do Mundo, vale a pena dar uma vista de olhos acreditem )

Tuesday, January 30, 2007


Estava distraída, há momentos assim em que pensamos em tudo e mais alguma coisa, em que as preocupações nos invadem, em que o silêncio não se faz ouvir, embora o nosso corpo esteja ali, a nossa mente está noutro local bem distinto.

Eu estava num dia desses, fui para a Missa, com mil e uma preocupações, ouvi a Palavra de Deus mas não reflecti sobre esta, estava concentrada nos meus problemas, nas minhas angustias, e no meio de toda aquela perturbação interior que partilhava com Deus, Vi aquele sorriso, enorme, resplandecente, e contagiante. Era o sorriso mais bonito que eu já tinha visto. Não é que os sorrisos não sejam bonitos, mas aquele era especial, era um sorriso sincero, aberto, como o sorriso de uma criança inocente que nos olha e sorri com imensa facilidade, automaticamente comos e fosse um gesto inato. Sempre gostei de sorrisos mas há uns que nos marcam e aquele sorriso marcou-me.

Fiquei alguns minutos a olhar para aquela rapariga e a admirar aquele sorriso, mas que sorriso! E dei por mim, a pensar apenas n´Ele e a deixar as minhas preocupações, a libertar-me dos meus medos a deixar-me invadir pelo seu Amor.
Porque tal como aquele sorriso era contagiante o Amor de Cristo também o é, Amor gera Amor, e assim sucessivamente, como uma pequenina bactéria que se multiplica continuamente, o Amor de Cristo multiplica-se e vai crescendo e passando de pessoa a pessoa, e foi assim que Ele se deu a conhecer, primeiro naquela pequenina zona aos Apóstolos, depois às pessoas que o rodeavam, e quando morreu e ressuscitou o seu Amor foi proliferando e espalhou-se por todo o mundo.

Penso num sorriso e lembro-me do Cristo do Sorriso, que tem um sorriso de Amor, de entrega, de compaixão. Um sorriso inesperado no meio da dor, do sofrimento, da morte. Um sorriso que faz pensar, que revela todo o Amor de Deus por cada um de nós.
Um sorriso que perdoa.

Tantas vezes dou por mim a pensar como é difícil não gostar de um sorriso, também é difícil não gostar de ser Filho muito Amado de Deus, saber que Ele nos ama, nos aceita, e que mesmo apesar do nosso valor, insignificante e menor, mesmo apesar dos nossos erros, dos nossos medos, somos tão importantes para Ele, somos únicos, somos seus filhos, e Ele nunca desiste de nós.

Foi assim que no meio daquela missa e a olhar para aquele sorriso, também eu Lhe sorri, e deixei que o Seu Amor me envolvesse, me enchesse por dentro, me desse forças para continuar, porque eu queria ser como aquela rapariga e levar o Seu sorriso aos outros, juntamente com o Seu Amor.
O sorriso daquela rapariga absorveu-me, e fez crescer em mim o Amor de Cristo, porque ela estava ali e sorria-Lhe como se mais nada a rodeasse, e eu queria fazer o mesmo.

Sai da Missa com um enorme sorriso, e prometi Lhe que iria seguir o exemplo de Cristo e sorrir a todos, com muito Amor.





Este texto é dedicado à Nônô ( Blog Fiat Lux , visitem vale mesmo a pena!).

Thursday, January 25, 2007


Sai de casa a correr, peguei na maçã, na garrafa de água fresca, e meti tudo num saco.
Ainda não eram quatro horas, mas não queria que ele ficasse à minha espera.
Cheguei mesmo a tempo, ele corria com os amigos. Estavam a sair do campo.
Acenei-lhe. Ele viu-me e correu com dois amigos na minha direcção.
Entrou no carro encharcado em suor, devorou a maçã, “embebedou-se “ com a garrafa de água. Segui o caminho que pensei que quisesse que fizesse visto que era sempre o mesmo, estávamos perto de casa, quando me pediu para encostar no meio da estrada, respondi-lhe:
- Luís, aqui não posso parar, não vês que estamos numa curva e no meio da estrada?
Respondeu-me irritado:
- Mas estás parva? Eles tem que sair aqui!- e apontou para os amigos que pensei que iam para nossa casa.
Parei um pouco mais à frente junto ao passeio, visto que não podia deixar os dois rapazes no meio daquela curva na estrada.
Prosseguimos a viagem, com ele sempre aos berros, e eu em silêncio.

Cheguei a casa chateada, eu tinha sido amorosa, levei-lhe a maçã, porque devia estar com fome, levei-lhe água porque sabia que tinha sede, fui mais cedo para ele não ficar à minha espera, e não recebi nem reconhecimento nem simpatia.
Na verdade também não tinha feito tudo aquilo para receber o seu reconhecimento, mas também não o tinha feito para receber um par de berros, sobre onde devia parar na estrada.

Nesse momento pensei em Deus, como Ele me devia compreender, Ele dá-nos tudo o que é melhor para nós, mesmo que muitas vezes não nos pareça o melhor, está Sempre ao nosso lado, nunca desiste de nós, e mesmo assim nós temos o hábito de nos queixarmos por tudo e por nada, e pior ainda, temos a “mania “ de o culparmos por tudo o que nos acontece de mal.
Imaginei como Lhe devia custar, dar todo aquele Amor, dedicar-nos toda a Sua atenção, e em troca receber, lamúrias e queixumes. Mas Ele não é como eu, não se irrita, nem desiste, porque o Seu Amor por cada um de nós é maior do que tudo o resto, e mesmo que lhe púnhamos dificuldades, mesmo que lhe viremos a cara, Ele está sempre ao nosso lado, e espera pacientemente que O deixemos entrar.

Falei-Lhe, dei por mim a deixar toda aquela irritação que me envolvia ser “evaporada”, e no lugar desta apareceu o Seu Amor por mim.

Dei por mim a pensar nos Homens, se um fosse Deus como seria? Tenho a certeza que seria horrível, porque apesar de termos sido feitos à Sua imagem e Semelhança, nós Homens somos imperfeitos, somos pecadores, ao contrário de Nosso Pai. Nós Homens, apesar de todas as qualidades que Ele nos deu, temos imensos defeitos, como o egoísmo, a mentira, o constante “queixume “ etc Em vez de aceitarmos esses defeitos, e utilizarmos as qualidades muitas vezes, fazemos o inverso.
Se um de nós ocupasse o lugar do Altíssimo, seria um verdadeiro desastre porque em vez de ocorrerem as “injustiças “ do mundo, o caos estaria sempre presente, pois ao contrário de Deus, que sabe o que é o melhor para cada um de nós, o Homem só iria saber o que era melhor para si, não teria o Amor de Deus a guiá-lo e não saberia que fazer.
Sem Deus nada somos, e tantas vezes não nos apercebemos disso, só nos sabemos queixar, porque é mais fácil deitar a culpa nos outros em vez de encontrar soluções, ou caminhos a percorrer.

Monday, January 15, 2007


Entrei em casa, pousei as malas junto ao bengaleiro, e fui fazer uma torrada. Caminhei pela casa com pequenos passos , e apercebi-me das saudades que já tinha de percorrer cada uma daquelas divisões, de ver tudo o que tinha decorado, de sentir o cheiro da minha casa, estava com tantas saudades da minha querida cama.

Muitas amigas, achavam-na doida, por sentir saudades de casa, consideravam na uma sortuda por estar sempre a viajar, por ter a oportunidade de conhecer imensos sitios, de estar em todos os hotéis, e diziam que só se queixava.
Mas ela não se queixava, pelo contrário agradecia-Lhe sempre pela oportunidade que lhe tinha dado de conhecer novos costumes, novas pessoas, de contactar com outras culturas. Contudo haviam alturas em que sentia umas saudades inexplicáveis da sua casa. Saudades do cheiro, saudades de olhar para a janela repleta de humidade e ver os carros a passar, a D.Alice a estender a roupa, saudades de andar pela casa de pijama a transportar as coisas de um lado para o outro, saudades do seu cantinho.

Estava a pensar em tudo isto, quando entrou no seu quarto. Já não o via há tanto tempo, mas continuava igual. Ia começar a caminhar até à janela quando começou a espirrar desalmadamente. Parou e pensou:
-Meu Deus, ou estou a ficar doente ou isto está sujíssimo.
Olhou para a sua volta e reparou que realmente o quarto estava mesmo sujo, a camada de pó já era mais que visível. Mas da última vez que tinha vindo a casa tinha passado com o pano do pó, como poderia estar agora neste estado? Tentou-se lembrar da última vez que tinha aspirado, mas já tinha sido à tanto tempo…
Tinha mesmo que o fazer, a sujidade acumulara-se e não podia viver naquelas condições. Decidiu limpar tudo no próprio dia, e para isso precisava da ajuda do João, por isso ligou-lhe, porque arrastar móveis, levantar coisas, não era o seu forte e a dois fazia-se muito bem.
O João aceitou o desafio e foram limpar aquela casa que estava a precisar de quatro mãos.

Passaram algumas horas desde que chegara a casa, estava sentada na cama a ler, quando parou por momentos para admirar a limpeza que ela e o João tinham feito. Tinha ficado mesmo bem, tudo no lugar, mais arrumado e mais limpo.
Estava ainda a observar o seu humilde quarto, quando se lembrou da limpeza que devia fazer no seu interior.
Se muitos a ouvissem achariam que era maluquinha, limpeza no seu interior?

Tantas vezes estamos “sujos” por dentro, claro que não é com pó, nem com humidade, é uma “sujidade” diferente, mas que também se agarra, uma “sujidade” que não é limpa com vassouras nem com aspiradores.
A “sujidade “ propriamente dita, são os nossos pecados, que se vão agarrando e acumulando dentro do nosso ser, são as coisas que não fizemos, ou que fizemos menos bem, são tudo o que nos atormenta, são tudo aquilo a que voluntariamente, e conscientemente recusámos sabendo que era a vontade d ´Ele.
Podemos limpar o nosso interior de duas maneiras, a primeira é como se passássemos um simples pano do pó, que consegue tirar as impurezas mais visíveis e pode ser utilizado sempre, ou seja é na Missa quando no inicio pedimos Perdão pelo que temos feito, e assumimos a nossa condição de pecadores.
A segunda maneira é uma limpeza mais profunda, que envolve esfregar o que não saiu com a limpeza do pano do pó, que implica arrastar móveis, levantar secretárias, aspirar. E para fazermos tudo isto, precisamos de ajuda, porque levantar as coisas não se faz sozinho, envolve esforço e trabalho, e é mais fácil a dois. Por isso quando queremos aspirar a nossa casa precisamos de alguém que consiga ajudar a levantar tudo, que tenha a força que nos falta, também quando queremos “limpar” o nosso interior, precisamos de alguém que nos ajude a ver com os Olhos d´Ele, que nos auxilie a afastar os nossos “moveis “ interiores, a aspirar o que ficou por limpar, a procurar faltas, a rezar sobre acontecimentos, a pedir perdão.
Muitas vezes, me perguntam se me sinto à vontade a falar com uma pessoa que não me conhece sobre tudo o que tenho feito, até já me perguntaram se é igual ou semelhante a ir a um psicólogo, pessoalmente considero o acto da confissão como muito importante na minha vida espiritual, porque é nesse simples acto, que em conversa com o Padre, que é o representante de Deus e da Igreja, vejo a minha vida com os Olhos de Cristo e avalio o que tenho feito, confessar-me, é uma conversa sobre muitas coisas, é entrar dentro de mim, e vasculhar a minha casa interior, é limpar, é arrumar, é deixá-Lo entrar mesmo quando está tudo de pernas para o ar, porque Ele pode entrar sempre , e tantas vezes bate à porta e eu não lha abro por receio que olhe para a “sujidade” mas Ele não é como nós, Ele quer estar connosco mesmo no meio da confusão interior, Ele ama-nos, Ele perdoa-nos, e é através do Padre que recebemos o Seu Perdão.
Tantas vezes dei por mim a pensar no valor do sacramento da confissão, é limpar a nossa casa interior, é aceitar que somos pecadores, e reconhecer os nossos pecados, é pedir que Ele nos conceda o Seu perdão e nos ajude a fazermos a Sua vontade.

Tal como limpámos a nossa casa várias vezes, porque o pó surge e vai se acumulando, também a nossa casa interior tem que ser limpa de vez em quando, porque somos pecadores , contudo temos que nos aceitar como somos vivendo com o “pacote” que temos, de qualidades e defeitos e reconhecendo que erramos e que o fazemos muitas vezes. Com o passar do tempo até nos vamos apercebendo que erramos na maior parte das vezes nas mesmas coisas, porque somos humanos e como tal temos limitações, mas devemos procurar o Seu Perdão e devemos querer caminhar para a santidade com Ele ao nosso lado.

Foi assim que no meio de pensamentos e de uma longa conversa com Ele, cheguei à conclusão que precisava de me confessar, e após um exame de consciência sincero, lá fui com um sorriso nos lábios pedir-Lhe que me perdoasse.

Wednesday, January 10, 2007



Acordei no Hospital. A cabeça ardia-me, os olhos mal se abriam e não sentia metade do meu corpo. O cansaço que me invadia era algo inexplicável, nunca tinha sentido algo assim. Fiquei alguns minutos, parado a tentar acordar aos poucos e a perceber onde estava.
Ainda estava meio atordoado quando apareceu a enfermeira, perguntou-me como estava e se conseguia falar, depois de beber um copo de água perguntei-lhe:
- Onde estou? Não me lembro de nada. – e pousei o copo com a minha mão que estava meia ligada.
Ela respondeu:
- Está no Hospital de S.Maria, é normal que não se lembre foi internado recentemente, sofreu um grave acidente de viação- e ajudou-me a sentar me na cama.

Ao início estranhei a resposta, acidente de viação? Mas aonde e quando? Não me lembrava de nada, mas aos poucos a minha memória foi recuperando e o sofrimento invadiu-me, fui me lembrando de tudo.

Fui buscar a Maria à estação já passava das seis horas, íamos jantar fora. Namorávamos à mais de cinco anos, e estávamos a pensar em casar. Já tínhamos quase tudo planeado ao pormenor, a casa, o local de casamento, os convites, o nosso único problema, era o local de trabalho dela, que devido a uma reestruturação da empresa, tinha sido alterado e agora ela tinha que ir e vir todos os dias de Sintra até Lisboa.
Jantamos num restaurante perto de minha casa, tivemos uma conversa agradável, e decidimos ir para minha casa. Vimos um filme, convidamos uns amigos e passamos uma noite animada. No final da noite fui levá-la a casa, ainda não eram dois da manhã, estávamos parados num cruzamento perto do centro de Lisboa, e um carro ao fazer uma curva derrapou, o condutor perdeu o controlo da viatura e bateu-nos.

Após me ter lembrado do acidente, fiquei exaltado, o suor percorreu-me o corpo, e berrei, chamei o seu nome, queria saber onde estava. Os médicos apareceram na sala, preocupados e perguntaram-me que se passava, perguntei-lhes por ela. Pela troca de olhares percebi que não tinha sobrevivido. Comecei a gritar, as lágrimas inundaram-me a cara, o desespero tomou conta de mim, chorei toda a tarde, e toda a noite, deram-me sedativos para me acalmar, mas a dor que sentia, a qual é impossível de explicar, invadiu-me por dentro.

O meu processo de recuperação foi lento, parti a bacia, uma perna e tinha uma factura exposta do braço. Mas para mim nada disso interessava, estava deprimido, e revoltado com a vida, a tristeza invadiu-me e a depressão também.
Comecei a fazer as perguntas erradas “Que mal fiz eu a Deus para isto me acontecer ?”, “ Porquê a mim meu Deus?”, “ Porquê?”.
Afastei me de muitos amigos, fechei me em mim mesmo, precisava de pensar, precisava de estar só, queria chorar todos os dias da minha vida, não conseguia compreender o que me estava a acontecer.

Até que um dia, faltava pouco tempo para eu sair do hospital, recebi uma chamada, era do Júlio, um colega meu do liceu que nunca mais tinha visto. Fiquei surpreendido por me ter ligado visto que eu não sabia nada dele à mais de quinze anos. Tentei não atender a chamada, alegando dores, tentei não falar mesmo com ele, mas a pessoa que estava do outro lado da linha disse-me já irritada:
- Olhe já estou farta de lhe recusar as chamadas , e além disso este seu amigo está a ligar do Porto, portanto se não quer falar com ele diga-lhe o senhor. – e sem que eu pudesse dizer alguma coisa, passou a chamada ao Júlio.
Ouvi a sua voz rouca do outro lado do telefone, ainda sem saber muito bem o que dizer, fiquei calado por segundos, depois disse-lhe:
- Júlio, como estás? – e fiz a voz mais natural do mundo.
O Júlio, respondeu-me cordialmente e explicou-me que tinha tido conhecimento do meu acidente por amigos nossos, porque estas noticias se espalham depressa.
Falamos durante pouco mais de cinco minutos, eu não lhe disse muita coisa, visto que nem me apetecia falar, mas ele mesmo eu não tendo dito nada de especial, ficou muito satisfeito por puder falar comigo, prometeu, para meu grande desgosto na altura, que me tornaria a ligar. Desliguei o telefone e pensei que nunca mais iria saber dele, porque me haveria de ligar? Já não falávamos à mais de quinze anos, que teria para me dizer? O telefonema de hoje, é compreensível, ele ouviu que tive um acidente e quis saber se eu estava bem, quis me desejar as melhoras, mas daí a tornar-me a ligar era um grande “passo”- pensei.
Adormeci a pensar na alegria do Júlio ao falar comigo.
Acordei no dia seguinte indisposto, mais um dia no Hospital, mais um dia em que me recordava o que tinha acontecido, mais um dia de tristeza, e de repente o telefone tocou, era o Júlio de novo. Irritado disse à Senhora que estava do outro lado da linha que tinha acabado de acordar, mas ela mais uma vez não quis saber e passou-me ao Júlio. Desta vez, pedi-lhe que não falássemos porque nem tinha tomado o pequeno-almoço, e então ele desejo-me um bom dia e pediu-me se lhe podia ligar, eu fiquei meio parvo a olhar para o telefone que queria desta vez? Como só queria despachar aquela conversa disse-lhe que sim que lhe ligava.
Levantei-me com muita dificuldade e tomei o pequeno almoço, no fim, rasguei o número do Júlio e pensei que não lhe ia ligar, não queria falar com ninguém, pus os pedaços de papel no bolso e caminhei com passos tristes pelo hospital.
Estava já a chegar muito lentamente a um corredor, quando me deparei com uma capela, nunca pensei que o Hospital tivesse capela, e fiquei à porta, com receio que alguém me visse a entrar. Espreitei para ver se estava lá alguém e devagarinho entrei.
Naquele momento pensei na minha vida e chorei, chorei imenso, só Lhe perguntava porque me tinha abandonado, só queria que me devolvesse a minha vida, nem O deixei falar, levantei-me rapidamente e tentei desesperadamente sair da capela, mas quando estava a sair, o pé falhou-me e cai redondo no chão.
Não me conseguia levantar, as lágrimas encheram-me os olhos, por me sentir inútil, triste e dependente de outros.
Ainda estava no chão a ouvir os meus soluços, quando vi os pedaços de papel do meu bolso espalhados, era o número do Júlio, pensei em deixá-los ali, mas depois nem sei porquê peguei-lhes e pu-los de novo no bolso.
Não Lhe quis falar, sabia que tinha que o fazer, mas não o quis fazer.

Uma enfermeira levou-me até ao meu quarto, mudou-me o gesso e deu-me o telefone, disse-me que já tinham ligado várias vezes para mim a pedir que ligasse para o número que tinha guardado.
Estava meio abalado mas concordei em ligar, disquei o número lentamente, e ouvi a voz do Júlio, alegre e aberta do outro lado, desta vez falou comigo imenso tempo, ao inicio era uma conversa casual do momento, mas depois começou a fazer-me perguntas, que tentei resistir, no fim já tomado pelo cansaço e pela tristeza, deixei cair todas as minhas defesas e disse-lhe tudo o que sentia, a revolta, a incompreensão, a tristeza, chorei, não tive vergonha de lhe dizer o tão triste que estava, ele ouviu-me durante muito tempo e depois tomou a palavra e disse-me:
- Nuno, eu sei que estás a passar um mau bocado, mas também estas a fazer as perguntas erradas.
- Perguntas erradas disse-lhe? – perplexo.
-Sim, perante o sofrimento, o mal , a doença, a morte, que são inevitáveis e que não dependem de nós de que te serve recusar e revoltar-te? Não te resolve o problema, somente o agrava, mais deprimido ficas, mais angustiado, mais desesperado.
Esqueceste te de tudo o que Ele te ensinou? Esqueceste te d´Ele? – perguntou-me, e esperou que respondesse, mas apenas ouviu o silêncio, e continuou:
- Lembraste das discussões que tínhamos na cantina do liceu sobre Cristo? Lembraste de defenderes com unhas e dentes o Seu Nome, de dizeres que a sua paixão por Nós era algo que te fazia confusão, porque: " Ele se ofereceu ao Pai, por Nós, integrando o sofrimento e a morte. E depois ressuscitou, mostrando-nos a confirmação de Deus que O aceitou , e nos mostrou o caminho de Amor e de liberdade. "
Tantas vezes nos explicaste isso, e tantas vezes não te compreendi, mas a vida dá muitas voltas e eu segui o caminho que me deste a conhecer e descobri Cristo aos poucos na minha vida. Comecei a frequentar a igreja e a aperceber-me que fazia parte dela, comecei a ter uma vida activa como leigo, comecei a espalhar a palavra d´Ele aos outros. Aos poucos e poucos caminhei cada vez mais com Ele ao meu lado.
Mas não falemos de mim, pelo menos para já.
Relativamente ao que te estava a dizer, acho que há uma frase de S. Paulo que resume muito bem o sofrimento pelo qual passas neste momento “ Os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com o peso da glória que se há de revelar em Nós “,- calou-se por momentos e continuou:
- Mas se não gostares desta frase conheço outra de S.Agostinho que também acho que se aplica a esta situação “ Entre a morte de alguém e o juízo final, há ainda um oceano de misericórdia a atravessar” .
Agora sim, gostava de te contar uma coisa, quando saímos do liceu, aproximei-me de Deus, e passado alguns anos, comecei a fazer Exercícios Espirituais, que me fizeram crescer muito na minha Fé, e na minha relação com Deus, houve um dos exercícios que me marcou muito, porque mudou toda a minha forma de olhar para a minha vida.- Parou de novo e ouvi a sua respiração ténue.
Estava de tal maneira emaranhado na sua conversa que lhe pedi que continuasse, ele pediu-me só para beber um copo de água e continuou:
- Santo Inácio de Loyola, que sei que conheces, diz que “ O Homem se deve fazer indiferente” ou seja o Homem deve estar livre, disponível perante tudo o que o rodeia, de tal maneira que não queira mais saúde que doença, mais riqueza que pobreza, somente desejando o que mais nos conduz ao fim para o qual fomos criados. Ora bem, eu lembro-me de ter ficado pasmado com tudo isto, desde quando é que eu não desejo mais saúde que doença ? Mas depois de muita oração, e reflexão com Deus é que percebi, é que apesar da saúde ser um bem, que deve ser agradecido, é relativo, porque não é total, porque hoje posso estar bem e manhã já não.
Ou seja eu devo saber aceitar o que a vida me reserva, e aceitar é difícil Nuno, porque tantas vezes não percebemos o que Deus nos propõem, mas faz parte da vida, e foi nesse momento que percebi a minha limitação como ser humano, e vi tudo de outra forma, eu que valorizava a minha posição social, que olhava para o que era meu como um bem adquirido comecei a saber viver sem nada, isto é, comecei a não ter necessidade de ser mais rico que os outros, percebi que Ele nos aceita como somos, independentemente se nos sentimos frustrados, tristes ou desanimados com a vida. Ele só quer o nosso bem, mesmo que o que nos dá não nos pareça nada bom, tudo o que nos acontece tem sempre um lado positivo, e todas as experiências de vida tem um objectivo; que aprendámos algo.
Percebi, à luz do mistério Pascal de Cristo, que Ele, que sofreu, morreu e ressuscitou por nós para nos mostrar o verdadeiro amor, o verdadeiro caminho, Ele que ofereceu todo o seu sofrimento ao Pai, então eu devia fazer o mesmo, e cada vez que estou mal, entrego o meu sofrimento a Deus, e agradeço-Lhe por me conceder através da Fé a possibilidade de participar na entrega de Cristo.
Mas tudo isto custa Nuno, mas deves rezar sobre isto, Ele não te abandonou, jamais o faria, fala com Ele. Reza Nuno, Ele quer falar-Te, pára para O ouvires.

Ouvi a sua respiração do outro lado do telefone, arfava desalmadamente. Duas lágrimas corriam-me pela cara, e agradeci-lhe por tudo. Falámos mais vezes ao telefone, todos os dias, durante várias horas, e Ele falava-me através do Júlio, e fui ao seu encontro, com lágrimas nos olhos na minha oração diária. Ajoelhei-me diante d´Ele, e pedi-Lhe o seu perdão, e Ele abraçou-me como Pai.


Quando sai do Hospital, fui visitar o Júlio, queria revê-lo, queria abraçá-lo e agradecer-lhe por me ter levantado e dado a mão, a mão de Cristo, sem ele, eu não teria o sorriso nos lábios que tinha quando sai pelo meu próprio pé do hospital. Claro que ainda tinha um longo caminho a percorrer, a Maria tinha morrido e eu tinha muito que fazer, mas a maneira como aceitei a sua morte e tudo o que aconteceu, mudou, devido à minha Fé.
Sem o Júlio eu não teria redescoberto a minha Fé, não me teria reaproximado de Cristo, o Júlio deixou Cristo viver nele e através dele, Cristo falou-me, e abraçou-me, pegou-me ao colo no momento que mais precisei.
Soube a morada dele, e resolvi aparecer sem lhe dizer , queria lhe fazer uma surpresa. Chegado a casa dele, ninguém me abria a porta, e passado um bom bocado, julgando que me tinha enganado, abre-me uma enfermeira, fiquei preocupado, perguntei lhe se o Júlio estava doente, e ela riu-se e disse:
- O menino Júlio nunca está doente.
Visivelmente espantada pela minha pergunta indicou-me o quarto do Júlio, e percorri o corredor sozinho até a um quarto com uma janela enorme, e uma grande cama.
Na cama estava deitado o Júlio, esboçou um sorriso ao ver-me, e disse-me:
-Não esperava ver-te tão cedo Nuno. – e semi cerrou os olhos.
Eu olhei para ele espantado, seria este Júlio, que me tinha ligado tantas vezes quando tive no hospital, este Júlio, que está preso a uma cama? Não sabia que lhe dizer.
Ele apercebeu-se da minha situação e disse:
- Ainda não tinha tido oportunidade para te dizer, tinha que te preparar Nuno, desculpa me. Estou tetraplégico à mais de dez anos, tive um acidente de mota e parti a coluna vertebral. Não precisas de olhar para mim com pena, porque ofereço ao Senhor a minha doença, e estou preparado para quando Ele quiser eu partir na grande viagem.

Coloquei a minha mão em cima da sua, e pedi-lhe que me perdoasse por não me ter informado mais cedo sobre a sua situação, mas ele explicou-me que após ter tido o acidente precisou de se adaptar à nova vida que o Senhor lhe confiara, e que por essa razão andou desaparecido durante uns tempos, contudo de vez em quando vai aos hospitais dar o seu exemplo aos outros, umas vezes vai falar aos doentes terminais, para que tenham amor à vida, outras vezes vai falar a outras vitimas de acidentes, e também fala com os que mais precisam. Foi precisamente numa dessas suas visitas hospitalares, que na sua cadeira de rodas, deu de caras com a minha maca, num corredor, eu estava a dormir, mas as lágrimas corriam me pela cara mesmo a dormir, reconheceu me e prometeu-Lhe que me ia ajudar.

Já passaram mais de vinte cinco anos, desde o dia em que reencontrei o Júlio, casei-me, tive filhos e sou avô. O Júlio teve uma presença marcante na minha vida, foi meu padrinho de casamento e é padrinho de baptismo do meu filho. Continuámos a darmo-nos até ele morrer à dois anos, hoje olho para trás e nem sei como teria sido a minha vida sem ele ao meu lado, foi um companheiro de todas as horas, um amigo no Senhor, deu-me a conhecer Cristo, fez-me reencontrá-Lo. Com o Júlio cresci na Fé, cresci na minha relação com Deus, aceitei a morte, o sofrimento e a dor, mesmo não as compreendendo, aceitei as minhas limitações e passei a ver tudo com os olhos que ele via, os de Cristo.

E por isso agradeço-Te Senhor a vida do Júlio, de exemplo de Cristão, de amigo, e de irmão, que me acompanhou e me fez seguir-Te, mostrando-me como devia confiar em Ti.
Escrito inspirado no livro " A História de Deus comigo" do P.António Vaz Pinto, sj
Dedicado a todos os que sofrem, para que Cristo os acompanhe e abrace.

Thursday, January 04, 2007


Mudei de casa. Precisávamos de mudar, os miúdos estão a crescer, o Jorge precisa de um escritório maior, e eu queria renovar a disposição das coisas na cozinha.
Mas mudar de casa implica muita coisa, não se faz de um dia para o outro, temos que arrumar tudo, seleccionar o que levamos e o que deixamos para trás, empacotamos o que levamos, para depois voltarmos a desempacotar e a arrumar noutro local.
O que deixamos para trás, dependendo do que se trata, umas vezes vai para o lixo, outras vezes damos a quem quer ou precisa e outras ainda vamos buscar e empacotamos também porque pelo sim pelo não podemos voltar a usar.

Estávamos numa semana de “desempacotamentos e arrumações”, e enquanto as crianças brincavam no jardim, eu e ele desempacotávamos as coisas. O Jorge de vez em quando queixava-se de dores nas costas e eu queixava-me da “tralha “ que ainda tínhamos para arrumar.
- Já viste isto? Como é possível termos acumulado tanta coisa ao longo de quinze anos? - perguntei indignada ao olhar para os mais de dez caixotes que ainda nos faltavam só naquela sala.
- Vera, é normal, temos cinco filhos, e vamos comprando e recebendo coisas… que querias que fizéssemos? - disse-me abanando a cabeça e sorrindo.
- Gostava que pudéssemos ter esta casa toda arrumada num dia, gostava de não ter que passar aqui tardes inteiras a rever, a escolher, a abrir caixas, a empacotar e a desempacotar, porque nos dá tanto trabalho…- disse-lhe enquanto abria a vigésima caixa.

Ficou pensativo e depois disse-me:
- Sabes esta mudança de casa, faz-me pensar nas mudanças que ocorrem na nossa vida- e continuou enquanto limpava uma moldura – tantas vezes queremos mudar, sentimos necessidade para mudar, queremos ser diferentes, fazer outras coisas, experimentar algo novo, e dizemos “ Agora vou mudar isto e aquilo” e passado pouco tempo reparamos que não mudámos em nada.
- Sim, é verdade, tantas vezes temos uma ânsia enorme de mudar, de nos tornarmos melhores, de alterar as coisas e não o conseguimos fazer – respondi-lhe – mas qual é a relação entre a mudança pessoal e a nossa casa?- disse-lhe curiosa.
- A nossa mudança de casa, ao contrário do que tu desejas, não irá ser feita, num dia, nem numa semana, e talvez demore mais do que um ano. – disse-me e ia continuar quando eu interrompi estupefacta.
- Um ano?- perguntei
- Sim um ano, porque : agora estamos numa fase de desempacotar, vamos colocar nas novas divisões o que trouxemos da outra casa, vamos ver se encaixa tudo nesta casa, vamos levar algumas coisas para a arrecadação e outras vamos deitar fora porque afinal não servem, vamos comprar coisas diferentes, e vamos decorar divisões com coisas novas, vamos ter que escolher, vamos ter que pensar, vamos demorar imenso tempo, mas vai ser recompensador, porque quando a casa estiver pronta vai estar óptima, vai estar exactamente como nós queríamos, e o tempo “gasto” na sua preparação, na sua arrumação vai se revelar um tempo precioso e necessário, porque sem esse tempo, a casa estaria “desarrumada” teria coisas fora do sitio, iríamos estar sempre a queixarmos e a estranhar a “suposta” arrumação da casa.
A mesma coisa se passa nas mudanças que são necessárias na nossa vida, como queremos mudar tudo, acabamos por não mudar nada, porque a mudança interior exige tempo, paciência e persistência, não se muda de um dia para o outro. Precisamos de pensar no que queremos mudar, ver com os Olhos d´Ele se essa mudança é a Sua Vontade, se é o que é preciso, se é o melhor. Se for, temos que nos preparar para fazê-la. Muitas vezes mudar custa, dói, e sofre-se com isso. Por exemplo, e voltando á nossa mudança de casa, quando pensámos pela primeira vez que seria melhor para todos mudarmos, tu lançaste-me um olhar triste, porque querias ficar para sempre com a casa onde os miúdos nasceram, e deram os primeiros passos, e sofreste ao ver que isso não era possível, mas percebeste que ficar naquela casa não fazia sentido, não era o que estava certo.
Parou por momentos de falar, e eu sorri-lhe para que continuasse, ele percebeu e cedeu ao meu pedido:
- Também a mudança interior implica sofrimento, porque mudar é difícil, é alterar o “costume”, é dar um passo diferente, e exige tempo. O tempo na mudança é muito importante, porque o tempo vai nos fazer “encaixar” a mudança em nós, e quando demos por ela, já ocorreu. O tempo é preciso para seleccionarmos o que vamos deitar fora, e o que vamos manter dentro de nós, é preciso tempo para que o Espírito Santo nos faça Ver o melhor caminho a seguir, é preciso tempo para que toda a mudança ocorra de forma certa. Calmamente e sem pressas a mudança ocorre da melhor maneira, e vai sendo feita dia após dia, e as coisas vão encaixando e vamos alterando a pouco e pouco o que é preciso.
A mudança é uma constante da vida, temos que mudar muitas vezes, para nos adaptarmos ao que nos rodeia, para vivermos melhor mas principalmente para crescermos.
Lembraste quando há uns anos, te disse que sentia que precisava de mudar a minha relação com Deus?
Parei de cortar a abertura do caixote e disse-lhe:
- Jorge isso é diferente, tu sentias… - e antes que eu pudesse acabar a frase ele disse:
- Não, não, não é diferente. Eu queria mudar a minha relação com Ele, queria aproximar-me, sentia uma necessidade de intimidade, de abertura , de amizade. Sentia que só Lhe falava quando precisava, sentia que ainda tinha muito que apreender e que crescer na Fé, sentia ânsia pelo seu Amor. E que fiz? No inicio falei-Lhe, pedi-Lhe em oração, que me ajudasse a crescer de modo a aproximar-me d´Ele, pedi-Lhe que me desse força, persistência, e coragem para mudar, porque para me aproximar d´Ele tinha que mudar muita coisa! Os hábitos, a minha forma de olhar para Ele, a minha maneira de rezar, eu tinha que crescer mesmo. Houve uma altura em que tive medo, medo de não conseguir mudar, medo de não ser capaz, medo de sair de mim e de ir ao Seu encontro, mas confiei, e esta confiança foi crescendo com o Seu Amor. Depois comecei aos poucos a ir mais à missa, comecei a ir a conferencias sobre Cristo que me interessavam, comecei a ler mais sobre Ele, e no fim dei por mim num Movimento Católico contigo, a dá-Lo a conhecer a outros e a partilhar a minha experiência de vida com Ele ao meu lado.
- Sim realmente , tens razão, a tua relação com Deus mudou mesmo, olho para trás e vejo o caminho que percorreste e que ainda percorres, foi longo mas o tempo que demoraste a “organizar “ as ideias, a perceber o que Ele queria de ti, esse tempo foi essencial, e sem esse tempo, não haveria mudança, e tua abertura à Fé não teria sido possível. Se não o tivesses feito aos poucos e com Ele ao teu lado, nada teria mudado.
- E sabes qual é o mais engraçado?- perguntou-me enquanto se levantava, e tirava as luvas, aproximando-se de mim através de pequenos passos – é que nós só queremos mudar se for para melhor, e muitas vezes achamos que sabemos o que é o melhor, mas digo-te, toda a mudança só é bem feita se Ele estiver ao nosso lado, se partilharmos com Ele as nossas decisões, se O pusermos a par das nossas dúvidas, se Ele participar na nossa vida activamente, porque Ele sabe mesmo o que é o melhor para nós, e só Ele sabe quando devemos mudar.

Sorrimos os dois, e olhámos para as paredes brancas daquela casa, e estas fizeram me lembrar as paredes brancas da minha vida, que foram sendo preenchidas por factos, por historias por pedacinhos de Deus na minha vida, e tudo o que as foi preenchendo, foi feito com muita mudança, mas também com muita confiança n´Ele, porque sem Ele a mudança não era possível.

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