Wednesday, November 01, 2006
Olhava para as fotografias e nem conseguia acreditar que era a mesma pessoa. Ouvia as histórias e ria-me. Era mais magra, mas o sorriso rasgado, os olhos penetrantes, o nariz arrebitado, faziam-me reconhecê-la.
Benedita nasceu à mais de cinquenta anos, é uma grande amiga dos meus pais.
Era a segunda de oito filhos, nasceu no Porto numa família de classe média. Seu Pai era professor e sua mãe tinha o curso de enfermagem embora não o exercesse.
Não era pobres mas também não eram ricos. Apesar de nunca terem passado fome, as roupas passavam de mão em mão, tal como os livros, e os brinquedos, mas não deixavam de ser felizes por isso.
Não iam de férias para muito longe, nunca andavam de carro, e prescindiam de algumas coisas como telefone e roupas novas com frequência.
Cresceu como todas outras crianças, entre reguadas e travessuras, entre risos e gargalhadas, era rebelde, teimosa e muito impaciente. Gostava de roubar doces, de vestir calças, de andar com os sapatos sujos, de subir às árvores como os rapazes e de ler os livros “proibidos” da escola.
Mas no meio de toda esta normalidade, Benedita conseguia ser diferente, ajudava a mãe em casa, fazia companhia às pessoas do lar ao pé da escola, ajudava os irmãos e os amigos a estudar para os testes. Ao contrário da maioria dos mortais, Benedita confiava mais em Deus do que nos Homens, e fazia tudo pelos outros.
Á medida que os anos foram passando, Benedita cresceu muito, mas especialmente a nível espiritual com Deus ao seu lado.
Foi para a faculdade, onde conheceu o Manuel, tirou o curso e casou, fez voluntariado, teve filhos, foi missionária, deu aulas.
A minha mãe sempre me disse que a Tia Benedita era uma Santa. Cada vez que ela o dizia, eu ria-me, como podia a Tia Benny ser uma Santa? Santos, pensava eu, eram pessoas especiais que faziam coisas inacreditáveis como S. Francisco Xavier que foi evangelizar para o Oriente, deixando tudo, partindo numa altura em que mal se conheciam caminhos e rotas, arriscando, a própria vida para dar a conhecer Deus aos outros.
Ou como S.Estevão, o primeiro mártir cristão, que morreu apedrejado enquanto pregava.
Como poderia ser uma pessoa como a Tia Benny Santa? A tia levava-nos ao cinema todas as semanas, ia me buscar à escola de jardineiras e ténis, corria pela casa toda só para me fazer cócegas, bebia coca cola enquanto “devorava “ a Agatha Christie. Era uma pessoa igual a tantas outras que tinha ela de especial para ser considerada Santa?
Foi então que me apercebi do outro lado da minha Tia, um lado que eu conhecia mas ao qual não dava importância, a Tia Benny, levava nos ao cinema quando os meus pais não estavam em Portugal, ia me buscar à escola quando os meus avós estavam doentes, ajudava os amigos na cozinha, mesmo sabendo que não tinha jeito nenhum, só para fazer companhia e animá-los quando se sentiam tristes, fazia voluntariado na igreja da paroquia, e levava a jantar todas as semanas um senhor de um lar, que não tinha família.
A minha tia no meio de tanta normalidade era especial, porque se entregava aos outros totalmente, nunca a ouvi queixar-se, mesmo quando estava tudo a correr mal.
Quando estava muito doente, perguntei-lhe se precisava de alguma coisa, e ela só me respondeu:
- Preciso que rezes por mim, para que Deus me dê força para Ser para os outros e não para mim, porque os meus problemas são tão pequenos comparados com os de Outros.
Nunca pensava em si, só queria servir a Deus.
Hoje quando penso nela, olho à minha volta e vejo no meio de tanta normalidade, alguns Santinhos que nos rodeiam sem muitas vezes nos apercebemos.
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3 comments:
J,
São tantos os Santos que estão à nossa volta! Basta estar com atenção...
Gosto imenso do teu blog!
Grande beijinho,
Inês
Há tantas Beneditas por aí escondidas!
Mas também há tantas "santinhas" que só estorvam.
Gostei da história da Benedita e pensei em todas as Beneditas que fazem o bem sem dar a cara.
Obrigada!
Abraços peregrinos
Inês,
Tens razão no que dizes, estão mais Santos à nossa volta do que julgamos.
Eu ADORO o teu blog.
Um grande beijinho
Andante,
Que quis dizer com "santinhos" que estorvam? fiquei curiosa.
Eu concordo com o que disse, muita gente faz bem e não dá a cara. Obrigado pelo seu comentário, aproveito e digo-lhe que gosto imenso do seu blog.
Um grande beijinho
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