Monday, December 11, 2006


Cheguei à porta de casa, rodei a chave lentamente, entrei. Pousei os sacos no chão e arrastei-me até ao quarto.
Sentei-me na beira da cama, e chorei em silêncio, chorei como já não me lembrava de chorar há muito tempo.
Mesmo sendo um choro silencioso, Ela ouviu e caminhou em pequenos passos até mim, apareceu ao meu lado e perguntou-me:
- Que se passa Joaquim?
Continuando a olhar para o chão, respondi-lhe:
-Estou triste. – E pus as mãos na cara.
Acariciou-me a cabeça, deu-me um doce beijo na testa e insistiu:
- Mas que se passa Joaquim? Que te perturba?
Demorei algum tempo a responder-lhe e no meio dos soluços disse-lhe:
- O mais estranho e estúpido é que não se passa nada.
-Joaquim, se não se passasse nada não estarias aqui a chorar…- respondeu-me com ternura.
- eu sei, mas – parei por momentos de falar, limpei as lágrimas que me enchiam o rosto com a palma das mãos e continuei – não aconteceu nada de diferente, foi um dia igual a todos os outros, acordei e fui para o Hospital fazer voluntariado, brinquei com os miúdos, li histórias, cantei, fizemos pinturas, corri com eles por entre as macas com os seus grandes companheiros a perseguirem-nos ou seja “ o soro “, e no meio de toda aquela brincadeira, igual às brincadeiras de tantos outros dias, encontrei uma menina que me fez pensar.
Senti a sua mão pousada no meu ombro, como que a incentivar-me a continuar, e fiz-lhe a vontade:
- Chama-se Bianca, não tem mais de um ano, estava na sua cama a brincar quando eu apareci, as enfermeiras disseram-me para ter cuidado, que era uma menina “ especial”, filha de uma senhora de alterne com HIV, tinha fibrose quistica* e tinha sido abandonada, estava ao encargo da santa casa da misericórdia. Não deixava ninguém tocar-lhe, e mordia com facilidade, era uma criança com um olhar triste.
Aproximei-me lentamente da sua cama, ao início estranhou e lançou-me um olhar furiosa, deitei-lhe a língua de fora, fiz montes de palhaçadas e ela continuava sem ceder, entretida num canto olhava para a parede e ignorava-me.
Continuei a fitá-la, fiz-lhe cócegas, escondi-me, mas nada, ela simplesmente nem olhava para mim.
Então, e apesar do olhar desconfiado das enfermeiras, agarrei-a por trás e coloquei-a rapidamente às minhas cavalitas, sentei-me no chão e finge que era um cavalo, percorri toda a sala com ela em cima de mim, a fazer as figuras mais ridículas de sempre, mas continuei, porque ouvi a sua gargalhada surgir, e após esta muitas outras surgiram, deitei-a na cama e beijei-lhe a barriga fiz-lhe cócegas com ela a ver, abracei-a, “atirei-a “ ao ar, pu-la ao meu colo, andei com ela por todo o lado, durante mais de duas horas, e as suas gargalhadas soaram por todo o corredor. As enfermeiras estavam de tal maneira chocadas que me pediram para lhe dar o jantar. Dei-lhe como se fosse minha filha, com muitos “ aviões “ e “barquinhos “ de colher à mistura, e apesar de ter ficado cheia de nódoas comeu tudo. E no fim adormeceu no meu colo, com um sorriso nos lábios e com a cabeça no meu ombro. Pousei a na cama e sai, não queria perturbar o sono daquele pequeno anjo.
Nesse momento parei e chorei.
- Porque choras? Não vejo motivo para chorares…- respondeu-me.
Ainda com lágrimas nos olhos respondi-lhe:
- Choro porque ao pousá-la na cama e vê-la sorrir senti um vazio dentro de mim, como se me tivessem tirado algo. Sai do hospital logo a seguir caminhei para o metro, e as lágrimas corriam me pela cara como se tivesse perdido alguém. Chorei de pena por aquela menina, porque sei que vai acordar sem ninguém ao seu lado, porque sei que é triste a situação que vive, porque olho para ela e sinto me mal, por ter a vida que tenho por me queixar tanto, quando comparado com ela nada me tenho a queixar.
Choro porque gostava de puder fazer algo por ela, e sei que nada posso fazer, choro porque como ela à milhares, choro porque me senti triste ao vê-la feliz, porque sei que não o é, porque vi nos seus olhos o reflexo da tristeza, porque sei que é uma pessoa doente e que dificilmente vai ser adoptada.
Tirou-me as mãos da cara e fez-me olha-la nos olhos, nesse momento sem que eu pudesse dizer algo mais respondeu:
- Não chores Joaquim, como ela à muitos mais nisso tens razão, mas vê o lado positivo das coisas apesar de não ter família ao menos deram-lhe a oportunidade de nascer, apesar de estar doente e de puder não vir a ser adoptada teve direito ao dom da vida, apesar de acordar e de não estares ao seu lado Ele estará sempre com ela e tu irás vê-la de vez em quando, e apesar de estar triste com o Amor que tu lhe dás irá passar a estar feliz. Sentes te mal por teres a vida que tens, por te sentires um sortudo em relação a ela, então torna-a sortuda e ajuda-a estando ao seu lado e apoiando-a, dá-lhe aquilo eu és, como hoje fizeste.
Podes te sentir triste e impotente face à situação dela, podes achar que fizeste tão pouco mas fizeste muito, sabes o que te diria a minha amiga Madre Teresa de Calcutá? – e sem que eu pudesse responder continuou: - “Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar.
Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.” – Parou por momentos e prosseguiu:
- Vais ver que tudo se vai resolver, confia N´Ele, mesmo que não percebas, dar-lhe-ás o Seu Amor porque só este basta. Reza por ela Joaquim, para que cresça n Graça de Deus pede-lhe por ela, porque Ele diz “ pedi e recebereis “ e agradece, agradece por tudo o que Ele te dá.

Nesse momento olhei-a nos olhos e soube que era Maria, a minha mãe , que me falava, e abracei-a. Beijou-me a cara e sussurrou-me:
-Confia n´ Ele para que Seja feita a Sua vontade.

* doença genética, que provoca problemas digestivos graves e respiratórios, a esperança média de vida ronda os trinta anos.

15 comments:

Era uma vez... said...

"Se o medo me desanimar
Peço a Maria
Que me dê a sua graça e liberdade
Que me ensina a confiar
A dizer sim à Tua Vontade

Porquê ter os olhos no chão
Se há um céu azul para contemplar
Porquê ficar com uma gota
Se posso ter o mar..."

Podia ter-me lembrado de muitas outras músicas mas foi a primeira que me ocorreu...

És um máximo Joana! Admiro imenso a tua força ao fazeres voluntariado num sítio com crianças que sofrem imenso...

Um dia quero ir contigo...

grd beijinho

Anonymous said...

Joana, não tenho palavras!

Porque foste escolher logo um Joaquim?

Ai Senhor que faço tão pouco e podia fazer tanto mais!

Abraço em Cristo

J said...

Inês,

adoro MESMO essa música, principalmente o refrão, faz me sempre ligar um retiro que fiz recentemente e o impacto que teve na minha relãção com Deus.

Agradeco imenso o elogio, mas fazer voluntariado, é para mim uma necessidade, de servir o outro de dar um pouco do meu tempo, e comparado com o que muito boa gente faz eu só apenas uma aprendiz que ainda tem muito a percorrer, mas sei que estou no bom caminho.

Diz me um dia e vais lá comigo, dar um saltinho.

Um grande beijinho

J said...

Joaquim,

Fico muito contente por ter gostado da estória. Julgo que se deve ter sentido como eu me sinto quando leio os seus textos, não eu sinto um bocadinho melhor ( os seus textos são um espectaculo! tenho que ser sincera ).

Não sei porque escolhi o nome Joaquim, é um nome que eu gosto imenso.

Fazemos todos muito pouco a comparar com o que podiamos fazer, eu sou o exemplo disso.

Um grande beijinho em Cristo

Pyny said...

Nao tenho palavras para descrever o quanto me sinto embrenhado a ler-te!

Maria João said...

Se compreendo esta história. Também faço voluntariado e, às vezes, não é fácil... Sabemos que deitámos a tal gota de água, mas custa tanto saber que não conseguimos resolver o problema por completo...
Nesses momentos apetece-me ter uma varinha mágica e fazer plim... para que os problemas desapareçam.

Resta-me rezar e confiar na Vontade de nosso Pai.

beijos em Cristo

Nuno Branco, sj said...

Joana,
tem vindo aqui ao teu blog com bastante regularidade e vou deliciando-me com aquilo que vais escrevendo :)
Deixo uma perguntinha q talvez nao possas ou nao queiras responder. Joana tu és cá de Lisboa (Cupav?) ou estarei a fazer confusão...gostava de saber :))
Beijinhos

J said...

Pyny,

fizeste me sorrir, obrigado pelo elogio! Também me sinto embrenhada em risos ou em leituras quando vou a cada um dos blogs dos quais fazes parte!

( Aproveito e pergunto, tenho que te ligar para saber melhor isso das Missões universitárias, é que eu queria mesmo participar )

Um grande beijinho

Maria João,

O seu comentário fez me lembrar um histórias que me contou a Maria Alarcão e que aproveito e coloco aqui para lerem:

"Uma vez uma nuvem andava a passear pelo céu, e avistou uma flor que estava a murchar. Decidiu que ia salvá-la. Todos os dias ia lá regá-la...durante muitos e muitos dias, a nuvenzinha passava pela flor e dava-lhe tudo o que tinha e o que nao tinha... mas o mais estranho, é que a flor nunca melhorava...Passados muitos dias, a nuvenzinha desistiu, muito triste, de tentar salvar a flor e foi-se embora! Daí a algum tempo, a flor começou a melhorar, até que ganhou imensa força, fruto de tudo aquilo que a nuvem lhe tinha dado..."

Tantas vezes sinto isso, que descreve, a necessidade de acabar com os problemas e a incapacidade de o fazer, mas rezo a Deus para que me ajude a que seja feita a Sua Vontade e não a minha porque tantas vezes é tão dificil aceitar.

Um grande beijinho com Cristo

P.S.-) Já agora aproveito e faço publicidade ao blog da Maria que tenho linkado e que vale muito a pena.


Nuno,

Fiquei muito contente por gostar das histórias que escrevo, comparado com as suas sei que as minhas são meros contos, mas também sei que com Ele ao meu lado o caminho, que ainda é longo a percorrer, será menos custoso, e aos poucos e poucos saberei contar as coisas como Ele quer e então como dizia S.Paulo, " Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim ".

A resposta à pergunta que me fez, é que sou de Lisboa, e vou ao Cupav com regularidade. Sinceramente não sei se já o vi lá, mas sei que se não o conheço pessoalmente posso dizer que o conheço pelas palavras que escreve e pela maneira que O revela nos seus textos.

Obrigado pelo seu comentário.

Um grande beijinho

Fátima F said...

J, sabes...este lugar aqui é tanto um local de histórias de vida como um lugar de oração.
Bem hajas por nos confrontares com todo o tipo de realidades que por vezes não nos lembramos que existem. De modo especial nesta época do ano.

Beijinho grande, e obrigada pelas palavras que me dirigiste no comentário do teu post anterior, referindo a Madre Teresa de Calcutá e o meu bloguinho, numa mesma frase. Sorri com tão agradável associação. SEmpre a gota :)

Fátima F said...

e tu deitas tantas no oceano :)

António Valério,sj said...

Joana! Tenho imensa curiosidade em saber quem é... pelo que leio vejo uma Vida de uma entrega a Deus e aos outros e uma sensibilidade que me toca muito. Encontrar uma vontade de Amor de Deus em acontecimentos que são difíceis de aceitar. Talvez não se peçam explicações, apenas doações. E por dentro vamo-nos iluminando com a incompreensão. parabésn pelo Blog, gosto muito das suas estorias! beijinho

J said...

Gota de Chuva,

Obrigado pelas suas palavras que me fazem ficar muito contente por estar a cumprir a Missão d´Ele, ou seja divulgar a Sua palavra e deixar que " encarne em mim".

Espero que continue com o seu blog, que me faz rezar e pensar tanto na importância de Cristo na minha vida.

Um grande beijinho

António,

Fiquei envergonhada e profundamente agradecida a Deus pelas suas palavras, embora não correspondam totalmente à realidade. Ainda tenho muito a caminhar para fazer da minha vida, uma vida de Entrega, sei que é o meu caminho, mas também sei que ainda falta muito a percorrer. Contudo com o seu blog, com as suas palavras e de outros inspirados pelo Espirito Santo, o caminho torna-se mais facil e a presença d´Ele mais vincada na minha vida.

Por isso só lhe tenho que agradecer pela sua presença constante na minha vida, com as suas palavras e partilhas de momentos diários que me fazem rezar.

Também tenho imensa curiosidade em conhecer cada pessoa que escreve, mas sei que mesmo não o conhecendo pessoalmente, conheco-o pelas suas palavras, que são bocadinhos de si que me dá, e que me fazem crescer na Fé.

Um grande beijinho

Filipe said...

Está mesmo muito bom...

muitos beijinhos!

=)

caminante said...

"Confía n'Ele, para que seja feita a sua Vontade". Abandono de niños pequeños en los brazos amorosos del BuenPadre Dios. ¡¡¡Bien!!!
Un fortísimo y navideño abrazo. Y graxcias por el coemntario en mi Blog.

J said...

Filipe,

Obrigado!

Um grande beijinho

Caminante,

Espiero que continue escreviendo como tiene hecho porque me gusta mucho su blog.

Feliz Navidad !

Besos

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