Tuesday, January 30, 2007


Estava distraída, há momentos assim em que pensamos em tudo e mais alguma coisa, em que as preocupações nos invadem, em que o silêncio não se faz ouvir, embora o nosso corpo esteja ali, a nossa mente está noutro local bem distinto.

Eu estava num dia desses, fui para a Missa, com mil e uma preocupações, ouvi a Palavra de Deus mas não reflecti sobre esta, estava concentrada nos meus problemas, nas minhas angustias, e no meio de toda aquela perturbação interior que partilhava com Deus, Vi aquele sorriso, enorme, resplandecente, e contagiante. Era o sorriso mais bonito que eu já tinha visto. Não é que os sorrisos não sejam bonitos, mas aquele era especial, era um sorriso sincero, aberto, como o sorriso de uma criança inocente que nos olha e sorri com imensa facilidade, automaticamente comos e fosse um gesto inato. Sempre gostei de sorrisos mas há uns que nos marcam e aquele sorriso marcou-me.

Fiquei alguns minutos a olhar para aquela rapariga e a admirar aquele sorriso, mas que sorriso! E dei por mim, a pensar apenas n´Ele e a deixar as minhas preocupações, a libertar-me dos meus medos a deixar-me invadir pelo seu Amor.
Porque tal como aquele sorriso era contagiante o Amor de Cristo também o é, Amor gera Amor, e assim sucessivamente, como uma pequenina bactéria que se multiplica continuamente, o Amor de Cristo multiplica-se e vai crescendo e passando de pessoa a pessoa, e foi assim que Ele se deu a conhecer, primeiro naquela pequenina zona aos Apóstolos, depois às pessoas que o rodeavam, e quando morreu e ressuscitou o seu Amor foi proliferando e espalhou-se por todo o mundo.

Penso num sorriso e lembro-me do Cristo do Sorriso, que tem um sorriso de Amor, de entrega, de compaixão. Um sorriso inesperado no meio da dor, do sofrimento, da morte. Um sorriso que faz pensar, que revela todo o Amor de Deus por cada um de nós.
Um sorriso que perdoa.

Tantas vezes dou por mim a pensar como é difícil não gostar de um sorriso, também é difícil não gostar de ser Filho muito Amado de Deus, saber que Ele nos ama, nos aceita, e que mesmo apesar do nosso valor, insignificante e menor, mesmo apesar dos nossos erros, dos nossos medos, somos tão importantes para Ele, somos únicos, somos seus filhos, e Ele nunca desiste de nós.

Foi assim que no meio daquela missa e a olhar para aquele sorriso, também eu Lhe sorri, e deixei que o Seu Amor me envolvesse, me enchesse por dentro, me desse forças para continuar, porque eu queria ser como aquela rapariga e levar o Seu sorriso aos outros, juntamente com o Seu Amor.
O sorriso daquela rapariga absorveu-me, e fez crescer em mim o Amor de Cristo, porque ela estava ali e sorria-Lhe como se mais nada a rodeasse, e eu queria fazer o mesmo.

Sai da Missa com um enorme sorriso, e prometi Lhe que iria seguir o exemplo de Cristo e sorrir a todos, com muito Amor.





Este texto é dedicado à Nônô ( Blog Fiat Lux , visitem vale mesmo a pena!).

Thursday, January 25, 2007


Sai de casa a correr, peguei na maçã, na garrafa de água fresca, e meti tudo num saco.
Ainda não eram quatro horas, mas não queria que ele ficasse à minha espera.
Cheguei mesmo a tempo, ele corria com os amigos. Estavam a sair do campo.
Acenei-lhe. Ele viu-me e correu com dois amigos na minha direcção.
Entrou no carro encharcado em suor, devorou a maçã, “embebedou-se “ com a garrafa de água. Segui o caminho que pensei que quisesse que fizesse visto que era sempre o mesmo, estávamos perto de casa, quando me pediu para encostar no meio da estrada, respondi-lhe:
- Luís, aqui não posso parar, não vês que estamos numa curva e no meio da estrada?
Respondeu-me irritado:
- Mas estás parva? Eles tem que sair aqui!- e apontou para os amigos que pensei que iam para nossa casa.
Parei um pouco mais à frente junto ao passeio, visto que não podia deixar os dois rapazes no meio daquela curva na estrada.
Prosseguimos a viagem, com ele sempre aos berros, e eu em silêncio.

Cheguei a casa chateada, eu tinha sido amorosa, levei-lhe a maçã, porque devia estar com fome, levei-lhe água porque sabia que tinha sede, fui mais cedo para ele não ficar à minha espera, e não recebi nem reconhecimento nem simpatia.
Na verdade também não tinha feito tudo aquilo para receber o seu reconhecimento, mas também não o tinha feito para receber um par de berros, sobre onde devia parar na estrada.

Nesse momento pensei em Deus, como Ele me devia compreender, Ele dá-nos tudo o que é melhor para nós, mesmo que muitas vezes não nos pareça o melhor, está Sempre ao nosso lado, nunca desiste de nós, e mesmo assim nós temos o hábito de nos queixarmos por tudo e por nada, e pior ainda, temos a “mania “ de o culparmos por tudo o que nos acontece de mal.
Imaginei como Lhe devia custar, dar todo aquele Amor, dedicar-nos toda a Sua atenção, e em troca receber, lamúrias e queixumes. Mas Ele não é como eu, não se irrita, nem desiste, porque o Seu Amor por cada um de nós é maior do que tudo o resto, e mesmo que lhe púnhamos dificuldades, mesmo que lhe viremos a cara, Ele está sempre ao nosso lado, e espera pacientemente que O deixemos entrar.

Falei-Lhe, dei por mim a deixar toda aquela irritação que me envolvia ser “evaporada”, e no lugar desta apareceu o Seu Amor por mim.

Dei por mim a pensar nos Homens, se um fosse Deus como seria? Tenho a certeza que seria horrível, porque apesar de termos sido feitos à Sua imagem e Semelhança, nós Homens somos imperfeitos, somos pecadores, ao contrário de Nosso Pai. Nós Homens, apesar de todas as qualidades que Ele nos deu, temos imensos defeitos, como o egoísmo, a mentira, o constante “queixume “ etc Em vez de aceitarmos esses defeitos, e utilizarmos as qualidades muitas vezes, fazemos o inverso.
Se um de nós ocupasse o lugar do Altíssimo, seria um verdadeiro desastre porque em vez de ocorrerem as “injustiças “ do mundo, o caos estaria sempre presente, pois ao contrário de Deus, que sabe o que é o melhor para cada um de nós, o Homem só iria saber o que era melhor para si, não teria o Amor de Deus a guiá-lo e não saberia que fazer.
Sem Deus nada somos, e tantas vezes não nos apercebemos disso, só nos sabemos queixar, porque é mais fácil deitar a culpa nos outros em vez de encontrar soluções, ou caminhos a percorrer.

Monday, January 15, 2007


Entrei em casa, pousei as malas junto ao bengaleiro, e fui fazer uma torrada. Caminhei pela casa com pequenos passos , e apercebi-me das saudades que já tinha de percorrer cada uma daquelas divisões, de ver tudo o que tinha decorado, de sentir o cheiro da minha casa, estava com tantas saudades da minha querida cama.

Muitas amigas, achavam-na doida, por sentir saudades de casa, consideravam na uma sortuda por estar sempre a viajar, por ter a oportunidade de conhecer imensos sitios, de estar em todos os hotéis, e diziam que só se queixava.
Mas ela não se queixava, pelo contrário agradecia-Lhe sempre pela oportunidade que lhe tinha dado de conhecer novos costumes, novas pessoas, de contactar com outras culturas. Contudo haviam alturas em que sentia umas saudades inexplicáveis da sua casa. Saudades do cheiro, saudades de olhar para a janela repleta de humidade e ver os carros a passar, a D.Alice a estender a roupa, saudades de andar pela casa de pijama a transportar as coisas de um lado para o outro, saudades do seu cantinho.

Estava a pensar em tudo isto, quando entrou no seu quarto. Já não o via há tanto tempo, mas continuava igual. Ia começar a caminhar até à janela quando começou a espirrar desalmadamente. Parou e pensou:
-Meu Deus, ou estou a ficar doente ou isto está sujíssimo.
Olhou para a sua volta e reparou que realmente o quarto estava mesmo sujo, a camada de pó já era mais que visível. Mas da última vez que tinha vindo a casa tinha passado com o pano do pó, como poderia estar agora neste estado? Tentou-se lembrar da última vez que tinha aspirado, mas já tinha sido à tanto tempo…
Tinha mesmo que o fazer, a sujidade acumulara-se e não podia viver naquelas condições. Decidiu limpar tudo no próprio dia, e para isso precisava da ajuda do João, por isso ligou-lhe, porque arrastar móveis, levantar coisas, não era o seu forte e a dois fazia-se muito bem.
O João aceitou o desafio e foram limpar aquela casa que estava a precisar de quatro mãos.

Passaram algumas horas desde que chegara a casa, estava sentada na cama a ler, quando parou por momentos para admirar a limpeza que ela e o João tinham feito. Tinha ficado mesmo bem, tudo no lugar, mais arrumado e mais limpo.
Estava ainda a observar o seu humilde quarto, quando se lembrou da limpeza que devia fazer no seu interior.
Se muitos a ouvissem achariam que era maluquinha, limpeza no seu interior?

Tantas vezes estamos “sujos” por dentro, claro que não é com pó, nem com humidade, é uma “sujidade” diferente, mas que também se agarra, uma “sujidade” que não é limpa com vassouras nem com aspiradores.
A “sujidade “ propriamente dita, são os nossos pecados, que se vão agarrando e acumulando dentro do nosso ser, são as coisas que não fizemos, ou que fizemos menos bem, são tudo o que nos atormenta, são tudo aquilo a que voluntariamente, e conscientemente recusámos sabendo que era a vontade d ´Ele.
Podemos limpar o nosso interior de duas maneiras, a primeira é como se passássemos um simples pano do pó, que consegue tirar as impurezas mais visíveis e pode ser utilizado sempre, ou seja é na Missa quando no inicio pedimos Perdão pelo que temos feito, e assumimos a nossa condição de pecadores.
A segunda maneira é uma limpeza mais profunda, que envolve esfregar o que não saiu com a limpeza do pano do pó, que implica arrastar móveis, levantar secretárias, aspirar. E para fazermos tudo isto, precisamos de ajuda, porque levantar as coisas não se faz sozinho, envolve esforço e trabalho, e é mais fácil a dois. Por isso quando queremos aspirar a nossa casa precisamos de alguém que consiga ajudar a levantar tudo, que tenha a força que nos falta, também quando queremos “limpar” o nosso interior, precisamos de alguém que nos ajude a ver com os Olhos d´Ele, que nos auxilie a afastar os nossos “moveis “ interiores, a aspirar o que ficou por limpar, a procurar faltas, a rezar sobre acontecimentos, a pedir perdão.
Muitas vezes, me perguntam se me sinto à vontade a falar com uma pessoa que não me conhece sobre tudo o que tenho feito, até já me perguntaram se é igual ou semelhante a ir a um psicólogo, pessoalmente considero o acto da confissão como muito importante na minha vida espiritual, porque é nesse simples acto, que em conversa com o Padre, que é o representante de Deus e da Igreja, vejo a minha vida com os Olhos de Cristo e avalio o que tenho feito, confessar-me, é uma conversa sobre muitas coisas, é entrar dentro de mim, e vasculhar a minha casa interior, é limpar, é arrumar, é deixá-Lo entrar mesmo quando está tudo de pernas para o ar, porque Ele pode entrar sempre , e tantas vezes bate à porta e eu não lha abro por receio que olhe para a “sujidade” mas Ele não é como nós, Ele quer estar connosco mesmo no meio da confusão interior, Ele ama-nos, Ele perdoa-nos, e é através do Padre que recebemos o Seu Perdão.
Tantas vezes dei por mim a pensar no valor do sacramento da confissão, é limpar a nossa casa interior, é aceitar que somos pecadores, e reconhecer os nossos pecados, é pedir que Ele nos conceda o Seu perdão e nos ajude a fazermos a Sua vontade.

Tal como limpámos a nossa casa várias vezes, porque o pó surge e vai se acumulando, também a nossa casa interior tem que ser limpa de vez em quando, porque somos pecadores , contudo temos que nos aceitar como somos vivendo com o “pacote” que temos, de qualidades e defeitos e reconhecendo que erramos e que o fazemos muitas vezes. Com o passar do tempo até nos vamos apercebendo que erramos na maior parte das vezes nas mesmas coisas, porque somos humanos e como tal temos limitações, mas devemos procurar o Seu Perdão e devemos querer caminhar para a santidade com Ele ao nosso lado.

Foi assim que no meio de pensamentos e de uma longa conversa com Ele, cheguei à conclusão que precisava de me confessar, e após um exame de consciência sincero, lá fui com um sorriso nos lábios pedir-Lhe que me perdoasse.

Wednesday, January 10, 2007



Acordei no Hospital. A cabeça ardia-me, os olhos mal se abriam e não sentia metade do meu corpo. O cansaço que me invadia era algo inexplicável, nunca tinha sentido algo assim. Fiquei alguns minutos, parado a tentar acordar aos poucos e a perceber onde estava.
Ainda estava meio atordoado quando apareceu a enfermeira, perguntou-me como estava e se conseguia falar, depois de beber um copo de água perguntei-lhe:
- Onde estou? Não me lembro de nada. – e pousei o copo com a minha mão que estava meia ligada.
Ela respondeu:
- Está no Hospital de S.Maria, é normal que não se lembre foi internado recentemente, sofreu um grave acidente de viação- e ajudou-me a sentar me na cama.

Ao início estranhei a resposta, acidente de viação? Mas aonde e quando? Não me lembrava de nada, mas aos poucos a minha memória foi recuperando e o sofrimento invadiu-me, fui me lembrando de tudo.

Fui buscar a Maria à estação já passava das seis horas, íamos jantar fora. Namorávamos à mais de cinco anos, e estávamos a pensar em casar. Já tínhamos quase tudo planeado ao pormenor, a casa, o local de casamento, os convites, o nosso único problema, era o local de trabalho dela, que devido a uma reestruturação da empresa, tinha sido alterado e agora ela tinha que ir e vir todos os dias de Sintra até Lisboa.
Jantamos num restaurante perto de minha casa, tivemos uma conversa agradável, e decidimos ir para minha casa. Vimos um filme, convidamos uns amigos e passamos uma noite animada. No final da noite fui levá-la a casa, ainda não eram dois da manhã, estávamos parados num cruzamento perto do centro de Lisboa, e um carro ao fazer uma curva derrapou, o condutor perdeu o controlo da viatura e bateu-nos.

Após me ter lembrado do acidente, fiquei exaltado, o suor percorreu-me o corpo, e berrei, chamei o seu nome, queria saber onde estava. Os médicos apareceram na sala, preocupados e perguntaram-me que se passava, perguntei-lhes por ela. Pela troca de olhares percebi que não tinha sobrevivido. Comecei a gritar, as lágrimas inundaram-me a cara, o desespero tomou conta de mim, chorei toda a tarde, e toda a noite, deram-me sedativos para me acalmar, mas a dor que sentia, a qual é impossível de explicar, invadiu-me por dentro.

O meu processo de recuperação foi lento, parti a bacia, uma perna e tinha uma factura exposta do braço. Mas para mim nada disso interessava, estava deprimido, e revoltado com a vida, a tristeza invadiu-me e a depressão também.
Comecei a fazer as perguntas erradas “Que mal fiz eu a Deus para isto me acontecer ?”, “ Porquê a mim meu Deus?”, “ Porquê?”.
Afastei me de muitos amigos, fechei me em mim mesmo, precisava de pensar, precisava de estar só, queria chorar todos os dias da minha vida, não conseguia compreender o que me estava a acontecer.

Até que um dia, faltava pouco tempo para eu sair do hospital, recebi uma chamada, era do Júlio, um colega meu do liceu que nunca mais tinha visto. Fiquei surpreendido por me ter ligado visto que eu não sabia nada dele à mais de quinze anos. Tentei não atender a chamada, alegando dores, tentei não falar mesmo com ele, mas a pessoa que estava do outro lado da linha disse-me já irritada:
- Olhe já estou farta de lhe recusar as chamadas , e além disso este seu amigo está a ligar do Porto, portanto se não quer falar com ele diga-lhe o senhor. – e sem que eu pudesse dizer alguma coisa, passou a chamada ao Júlio.
Ouvi a sua voz rouca do outro lado do telefone, ainda sem saber muito bem o que dizer, fiquei calado por segundos, depois disse-lhe:
- Júlio, como estás? – e fiz a voz mais natural do mundo.
O Júlio, respondeu-me cordialmente e explicou-me que tinha tido conhecimento do meu acidente por amigos nossos, porque estas noticias se espalham depressa.
Falamos durante pouco mais de cinco minutos, eu não lhe disse muita coisa, visto que nem me apetecia falar, mas ele mesmo eu não tendo dito nada de especial, ficou muito satisfeito por puder falar comigo, prometeu, para meu grande desgosto na altura, que me tornaria a ligar. Desliguei o telefone e pensei que nunca mais iria saber dele, porque me haveria de ligar? Já não falávamos à mais de quinze anos, que teria para me dizer? O telefonema de hoje, é compreensível, ele ouviu que tive um acidente e quis saber se eu estava bem, quis me desejar as melhoras, mas daí a tornar-me a ligar era um grande “passo”- pensei.
Adormeci a pensar na alegria do Júlio ao falar comigo.
Acordei no dia seguinte indisposto, mais um dia no Hospital, mais um dia em que me recordava o que tinha acontecido, mais um dia de tristeza, e de repente o telefone tocou, era o Júlio de novo. Irritado disse à Senhora que estava do outro lado da linha que tinha acabado de acordar, mas ela mais uma vez não quis saber e passou-me ao Júlio. Desta vez, pedi-lhe que não falássemos porque nem tinha tomado o pequeno-almoço, e então ele desejo-me um bom dia e pediu-me se lhe podia ligar, eu fiquei meio parvo a olhar para o telefone que queria desta vez? Como só queria despachar aquela conversa disse-lhe que sim que lhe ligava.
Levantei-me com muita dificuldade e tomei o pequeno almoço, no fim, rasguei o número do Júlio e pensei que não lhe ia ligar, não queria falar com ninguém, pus os pedaços de papel no bolso e caminhei com passos tristes pelo hospital.
Estava já a chegar muito lentamente a um corredor, quando me deparei com uma capela, nunca pensei que o Hospital tivesse capela, e fiquei à porta, com receio que alguém me visse a entrar. Espreitei para ver se estava lá alguém e devagarinho entrei.
Naquele momento pensei na minha vida e chorei, chorei imenso, só Lhe perguntava porque me tinha abandonado, só queria que me devolvesse a minha vida, nem O deixei falar, levantei-me rapidamente e tentei desesperadamente sair da capela, mas quando estava a sair, o pé falhou-me e cai redondo no chão.
Não me conseguia levantar, as lágrimas encheram-me os olhos, por me sentir inútil, triste e dependente de outros.
Ainda estava no chão a ouvir os meus soluços, quando vi os pedaços de papel do meu bolso espalhados, era o número do Júlio, pensei em deixá-los ali, mas depois nem sei porquê peguei-lhes e pu-los de novo no bolso.
Não Lhe quis falar, sabia que tinha que o fazer, mas não o quis fazer.

Uma enfermeira levou-me até ao meu quarto, mudou-me o gesso e deu-me o telefone, disse-me que já tinham ligado várias vezes para mim a pedir que ligasse para o número que tinha guardado.
Estava meio abalado mas concordei em ligar, disquei o número lentamente, e ouvi a voz do Júlio, alegre e aberta do outro lado, desta vez falou comigo imenso tempo, ao inicio era uma conversa casual do momento, mas depois começou a fazer-me perguntas, que tentei resistir, no fim já tomado pelo cansaço e pela tristeza, deixei cair todas as minhas defesas e disse-lhe tudo o que sentia, a revolta, a incompreensão, a tristeza, chorei, não tive vergonha de lhe dizer o tão triste que estava, ele ouviu-me durante muito tempo e depois tomou a palavra e disse-me:
- Nuno, eu sei que estás a passar um mau bocado, mas também estas a fazer as perguntas erradas.
- Perguntas erradas disse-lhe? – perplexo.
-Sim, perante o sofrimento, o mal , a doença, a morte, que são inevitáveis e que não dependem de nós de que te serve recusar e revoltar-te? Não te resolve o problema, somente o agrava, mais deprimido ficas, mais angustiado, mais desesperado.
Esqueceste te de tudo o que Ele te ensinou? Esqueceste te d´Ele? – perguntou-me, e esperou que respondesse, mas apenas ouviu o silêncio, e continuou:
- Lembraste das discussões que tínhamos na cantina do liceu sobre Cristo? Lembraste de defenderes com unhas e dentes o Seu Nome, de dizeres que a sua paixão por Nós era algo que te fazia confusão, porque: " Ele se ofereceu ao Pai, por Nós, integrando o sofrimento e a morte. E depois ressuscitou, mostrando-nos a confirmação de Deus que O aceitou , e nos mostrou o caminho de Amor e de liberdade. "
Tantas vezes nos explicaste isso, e tantas vezes não te compreendi, mas a vida dá muitas voltas e eu segui o caminho que me deste a conhecer e descobri Cristo aos poucos na minha vida. Comecei a frequentar a igreja e a aperceber-me que fazia parte dela, comecei a ter uma vida activa como leigo, comecei a espalhar a palavra d´Ele aos outros. Aos poucos e poucos caminhei cada vez mais com Ele ao meu lado.
Mas não falemos de mim, pelo menos para já.
Relativamente ao que te estava a dizer, acho que há uma frase de S. Paulo que resume muito bem o sofrimento pelo qual passas neste momento “ Os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com o peso da glória que se há de revelar em Nós “,- calou-se por momentos e continuou:
- Mas se não gostares desta frase conheço outra de S.Agostinho que também acho que se aplica a esta situação “ Entre a morte de alguém e o juízo final, há ainda um oceano de misericórdia a atravessar” .
Agora sim, gostava de te contar uma coisa, quando saímos do liceu, aproximei-me de Deus, e passado alguns anos, comecei a fazer Exercícios Espirituais, que me fizeram crescer muito na minha Fé, e na minha relação com Deus, houve um dos exercícios que me marcou muito, porque mudou toda a minha forma de olhar para a minha vida.- Parou de novo e ouvi a sua respiração ténue.
Estava de tal maneira emaranhado na sua conversa que lhe pedi que continuasse, ele pediu-me só para beber um copo de água e continuou:
- Santo Inácio de Loyola, que sei que conheces, diz que “ O Homem se deve fazer indiferente” ou seja o Homem deve estar livre, disponível perante tudo o que o rodeia, de tal maneira que não queira mais saúde que doença, mais riqueza que pobreza, somente desejando o que mais nos conduz ao fim para o qual fomos criados. Ora bem, eu lembro-me de ter ficado pasmado com tudo isto, desde quando é que eu não desejo mais saúde que doença ? Mas depois de muita oração, e reflexão com Deus é que percebi, é que apesar da saúde ser um bem, que deve ser agradecido, é relativo, porque não é total, porque hoje posso estar bem e manhã já não.
Ou seja eu devo saber aceitar o que a vida me reserva, e aceitar é difícil Nuno, porque tantas vezes não percebemos o que Deus nos propõem, mas faz parte da vida, e foi nesse momento que percebi a minha limitação como ser humano, e vi tudo de outra forma, eu que valorizava a minha posição social, que olhava para o que era meu como um bem adquirido comecei a saber viver sem nada, isto é, comecei a não ter necessidade de ser mais rico que os outros, percebi que Ele nos aceita como somos, independentemente se nos sentimos frustrados, tristes ou desanimados com a vida. Ele só quer o nosso bem, mesmo que o que nos dá não nos pareça nada bom, tudo o que nos acontece tem sempre um lado positivo, e todas as experiências de vida tem um objectivo; que aprendámos algo.
Percebi, à luz do mistério Pascal de Cristo, que Ele, que sofreu, morreu e ressuscitou por nós para nos mostrar o verdadeiro amor, o verdadeiro caminho, Ele que ofereceu todo o seu sofrimento ao Pai, então eu devia fazer o mesmo, e cada vez que estou mal, entrego o meu sofrimento a Deus, e agradeço-Lhe por me conceder através da Fé a possibilidade de participar na entrega de Cristo.
Mas tudo isto custa Nuno, mas deves rezar sobre isto, Ele não te abandonou, jamais o faria, fala com Ele. Reza Nuno, Ele quer falar-Te, pára para O ouvires.

Ouvi a sua respiração do outro lado do telefone, arfava desalmadamente. Duas lágrimas corriam-me pela cara, e agradeci-lhe por tudo. Falámos mais vezes ao telefone, todos os dias, durante várias horas, e Ele falava-me através do Júlio, e fui ao seu encontro, com lágrimas nos olhos na minha oração diária. Ajoelhei-me diante d´Ele, e pedi-Lhe o seu perdão, e Ele abraçou-me como Pai.


Quando sai do Hospital, fui visitar o Júlio, queria revê-lo, queria abraçá-lo e agradecer-lhe por me ter levantado e dado a mão, a mão de Cristo, sem ele, eu não teria o sorriso nos lábios que tinha quando sai pelo meu próprio pé do hospital. Claro que ainda tinha um longo caminho a percorrer, a Maria tinha morrido e eu tinha muito que fazer, mas a maneira como aceitei a sua morte e tudo o que aconteceu, mudou, devido à minha Fé.
Sem o Júlio eu não teria redescoberto a minha Fé, não me teria reaproximado de Cristo, o Júlio deixou Cristo viver nele e através dele, Cristo falou-me, e abraçou-me, pegou-me ao colo no momento que mais precisei.
Soube a morada dele, e resolvi aparecer sem lhe dizer , queria lhe fazer uma surpresa. Chegado a casa dele, ninguém me abria a porta, e passado um bom bocado, julgando que me tinha enganado, abre-me uma enfermeira, fiquei preocupado, perguntei lhe se o Júlio estava doente, e ela riu-se e disse:
- O menino Júlio nunca está doente.
Visivelmente espantada pela minha pergunta indicou-me o quarto do Júlio, e percorri o corredor sozinho até a um quarto com uma janela enorme, e uma grande cama.
Na cama estava deitado o Júlio, esboçou um sorriso ao ver-me, e disse-me:
-Não esperava ver-te tão cedo Nuno. – e semi cerrou os olhos.
Eu olhei para ele espantado, seria este Júlio, que me tinha ligado tantas vezes quando tive no hospital, este Júlio, que está preso a uma cama? Não sabia que lhe dizer.
Ele apercebeu-se da minha situação e disse:
- Ainda não tinha tido oportunidade para te dizer, tinha que te preparar Nuno, desculpa me. Estou tetraplégico à mais de dez anos, tive um acidente de mota e parti a coluna vertebral. Não precisas de olhar para mim com pena, porque ofereço ao Senhor a minha doença, e estou preparado para quando Ele quiser eu partir na grande viagem.

Coloquei a minha mão em cima da sua, e pedi-lhe que me perdoasse por não me ter informado mais cedo sobre a sua situação, mas ele explicou-me que após ter tido o acidente precisou de se adaptar à nova vida que o Senhor lhe confiara, e que por essa razão andou desaparecido durante uns tempos, contudo de vez em quando vai aos hospitais dar o seu exemplo aos outros, umas vezes vai falar aos doentes terminais, para que tenham amor à vida, outras vezes vai falar a outras vitimas de acidentes, e também fala com os que mais precisam. Foi precisamente numa dessas suas visitas hospitalares, que na sua cadeira de rodas, deu de caras com a minha maca, num corredor, eu estava a dormir, mas as lágrimas corriam me pela cara mesmo a dormir, reconheceu me e prometeu-Lhe que me ia ajudar.

Já passaram mais de vinte cinco anos, desde o dia em que reencontrei o Júlio, casei-me, tive filhos e sou avô. O Júlio teve uma presença marcante na minha vida, foi meu padrinho de casamento e é padrinho de baptismo do meu filho. Continuámos a darmo-nos até ele morrer à dois anos, hoje olho para trás e nem sei como teria sido a minha vida sem ele ao meu lado, foi um companheiro de todas as horas, um amigo no Senhor, deu-me a conhecer Cristo, fez-me reencontrá-Lo. Com o Júlio cresci na Fé, cresci na minha relação com Deus, aceitei a morte, o sofrimento e a dor, mesmo não as compreendendo, aceitei as minhas limitações e passei a ver tudo com os olhos que ele via, os de Cristo.

E por isso agradeço-Te Senhor a vida do Júlio, de exemplo de Cristão, de amigo, e de irmão, que me acompanhou e me fez seguir-Te, mostrando-me como devia confiar em Ti.
Escrito inspirado no livro " A História de Deus comigo" do P.António Vaz Pinto, sj
Dedicado a todos os que sofrem, para que Cristo os acompanhe e abrace.

Thursday, January 04, 2007


Mudei de casa. Precisávamos de mudar, os miúdos estão a crescer, o Jorge precisa de um escritório maior, e eu queria renovar a disposição das coisas na cozinha.
Mas mudar de casa implica muita coisa, não se faz de um dia para o outro, temos que arrumar tudo, seleccionar o que levamos e o que deixamos para trás, empacotamos o que levamos, para depois voltarmos a desempacotar e a arrumar noutro local.
O que deixamos para trás, dependendo do que se trata, umas vezes vai para o lixo, outras vezes damos a quem quer ou precisa e outras ainda vamos buscar e empacotamos também porque pelo sim pelo não podemos voltar a usar.

Estávamos numa semana de “desempacotamentos e arrumações”, e enquanto as crianças brincavam no jardim, eu e ele desempacotávamos as coisas. O Jorge de vez em quando queixava-se de dores nas costas e eu queixava-me da “tralha “ que ainda tínhamos para arrumar.
- Já viste isto? Como é possível termos acumulado tanta coisa ao longo de quinze anos? - perguntei indignada ao olhar para os mais de dez caixotes que ainda nos faltavam só naquela sala.
- Vera, é normal, temos cinco filhos, e vamos comprando e recebendo coisas… que querias que fizéssemos? - disse-me abanando a cabeça e sorrindo.
- Gostava que pudéssemos ter esta casa toda arrumada num dia, gostava de não ter que passar aqui tardes inteiras a rever, a escolher, a abrir caixas, a empacotar e a desempacotar, porque nos dá tanto trabalho…- disse-lhe enquanto abria a vigésima caixa.

Ficou pensativo e depois disse-me:
- Sabes esta mudança de casa, faz-me pensar nas mudanças que ocorrem na nossa vida- e continuou enquanto limpava uma moldura – tantas vezes queremos mudar, sentimos necessidade para mudar, queremos ser diferentes, fazer outras coisas, experimentar algo novo, e dizemos “ Agora vou mudar isto e aquilo” e passado pouco tempo reparamos que não mudámos em nada.
- Sim, é verdade, tantas vezes temos uma ânsia enorme de mudar, de nos tornarmos melhores, de alterar as coisas e não o conseguimos fazer – respondi-lhe – mas qual é a relação entre a mudança pessoal e a nossa casa?- disse-lhe curiosa.
- A nossa mudança de casa, ao contrário do que tu desejas, não irá ser feita, num dia, nem numa semana, e talvez demore mais do que um ano. – disse-me e ia continuar quando eu interrompi estupefacta.
- Um ano?- perguntei
- Sim um ano, porque : agora estamos numa fase de desempacotar, vamos colocar nas novas divisões o que trouxemos da outra casa, vamos ver se encaixa tudo nesta casa, vamos levar algumas coisas para a arrecadação e outras vamos deitar fora porque afinal não servem, vamos comprar coisas diferentes, e vamos decorar divisões com coisas novas, vamos ter que escolher, vamos ter que pensar, vamos demorar imenso tempo, mas vai ser recompensador, porque quando a casa estiver pronta vai estar óptima, vai estar exactamente como nós queríamos, e o tempo “gasto” na sua preparação, na sua arrumação vai se revelar um tempo precioso e necessário, porque sem esse tempo, a casa estaria “desarrumada” teria coisas fora do sitio, iríamos estar sempre a queixarmos e a estranhar a “suposta” arrumação da casa.
A mesma coisa se passa nas mudanças que são necessárias na nossa vida, como queremos mudar tudo, acabamos por não mudar nada, porque a mudança interior exige tempo, paciência e persistência, não se muda de um dia para o outro. Precisamos de pensar no que queremos mudar, ver com os Olhos d´Ele se essa mudança é a Sua Vontade, se é o que é preciso, se é o melhor. Se for, temos que nos preparar para fazê-la. Muitas vezes mudar custa, dói, e sofre-se com isso. Por exemplo, e voltando á nossa mudança de casa, quando pensámos pela primeira vez que seria melhor para todos mudarmos, tu lançaste-me um olhar triste, porque querias ficar para sempre com a casa onde os miúdos nasceram, e deram os primeiros passos, e sofreste ao ver que isso não era possível, mas percebeste que ficar naquela casa não fazia sentido, não era o que estava certo.
Parou por momentos de falar, e eu sorri-lhe para que continuasse, ele percebeu e cedeu ao meu pedido:
- Também a mudança interior implica sofrimento, porque mudar é difícil, é alterar o “costume”, é dar um passo diferente, e exige tempo. O tempo na mudança é muito importante, porque o tempo vai nos fazer “encaixar” a mudança em nós, e quando demos por ela, já ocorreu. O tempo é preciso para seleccionarmos o que vamos deitar fora, e o que vamos manter dentro de nós, é preciso tempo para que o Espírito Santo nos faça Ver o melhor caminho a seguir, é preciso tempo para que toda a mudança ocorra de forma certa. Calmamente e sem pressas a mudança ocorre da melhor maneira, e vai sendo feita dia após dia, e as coisas vão encaixando e vamos alterando a pouco e pouco o que é preciso.
A mudança é uma constante da vida, temos que mudar muitas vezes, para nos adaptarmos ao que nos rodeia, para vivermos melhor mas principalmente para crescermos.
Lembraste quando há uns anos, te disse que sentia que precisava de mudar a minha relação com Deus?
Parei de cortar a abertura do caixote e disse-lhe:
- Jorge isso é diferente, tu sentias… - e antes que eu pudesse acabar a frase ele disse:
- Não, não, não é diferente. Eu queria mudar a minha relação com Ele, queria aproximar-me, sentia uma necessidade de intimidade, de abertura , de amizade. Sentia que só Lhe falava quando precisava, sentia que ainda tinha muito que apreender e que crescer na Fé, sentia ânsia pelo seu Amor. E que fiz? No inicio falei-Lhe, pedi-Lhe em oração, que me ajudasse a crescer de modo a aproximar-me d´Ele, pedi-Lhe que me desse força, persistência, e coragem para mudar, porque para me aproximar d´Ele tinha que mudar muita coisa! Os hábitos, a minha forma de olhar para Ele, a minha maneira de rezar, eu tinha que crescer mesmo. Houve uma altura em que tive medo, medo de não conseguir mudar, medo de não ser capaz, medo de sair de mim e de ir ao Seu encontro, mas confiei, e esta confiança foi crescendo com o Seu Amor. Depois comecei aos poucos a ir mais à missa, comecei a ir a conferencias sobre Cristo que me interessavam, comecei a ler mais sobre Ele, e no fim dei por mim num Movimento Católico contigo, a dá-Lo a conhecer a outros e a partilhar a minha experiência de vida com Ele ao meu lado.
- Sim realmente , tens razão, a tua relação com Deus mudou mesmo, olho para trás e vejo o caminho que percorreste e que ainda percorres, foi longo mas o tempo que demoraste a “organizar “ as ideias, a perceber o que Ele queria de ti, esse tempo foi essencial, e sem esse tempo, não haveria mudança, e tua abertura à Fé não teria sido possível. Se não o tivesses feito aos poucos e com Ele ao teu lado, nada teria mudado.
- E sabes qual é o mais engraçado?- perguntou-me enquanto se levantava, e tirava as luvas, aproximando-se de mim através de pequenos passos – é que nós só queremos mudar se for para melhor, e muitas vezes achamos que sabemos o que é o melhor, mas digo-te, toda a mudança só é bem feita se Ele estiver ao nosso lado, se partilharmos com Ele as nossas decisões, se O pusermos a par das nossas dúvidas, se Ele participar na nossa vida activamente, porque Ele sabe mesmo o que é o melhor para nós, e só Ele sabe quando devemos mudar.

Sorrimos os dois, e olhámos para as paredes brancas daquela casa, e estas fizeram me lembrar as paredes brancas da minha vida, que foram sendo preenchidas por factos, por historias por pedacinhos de Deus na minha vida, e tudo o que as foi preenchendo, foi feito com muita mudança, mas também com muita confiança n´Ele, porque sem Ele a mudança não era possível.

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