Sunday, December 10, 2006


Chovia imenso como em qualquer dia de Inverno, entrei na sala encharcada e atrasada.
Sentei-me onde calhou, pousei as coisas e apontei tudo o que tinha perdido, como maneira de recuperar o tempo que tinha passado.
Dez minutos depois de ter entrado na sala, deram-me um bilhete simples de papel amarrotado, arrancado com desespero de um caderno. Abri-o com uma enorme surpresa. Estavam apenas duas linhas escritas com uma letra grossa e borrada:

Estou grávida
Espera por mim no fim da aula.

Não sabia que dizer, para um bilhete dizia demasiado. Eu era nova na turma por isso fiquei supreendida por alguém vir ter comigo, visto que eu conhecia mal as pessoas que me rodeavam, só falara com duas ou três , só entrava para ter duas aulas e ia para casa estudar.
Olhei à minha volta, para ver se conseguia detectar algum nervosismo no ar, alguém a olhar para mim, ou um sorriso triste. Mas ninguém olhou para mim, perguntei à pessoa que me deu o bilhete quem lhe tinha dado, e ela disse que lhe tinham posto na mochila e tinha o meu nome no verso.

A aula passou lentamente, não consegui parar de pensar na pessoa que precisava de falar comigo.
Esperei no meu lugar que alguém viesse ter comigo, o intervalo já estava a meio quando ela apareceu.
Era a rapariga mais popular daquela turma, magra e alta, cabelo arranjado como se viesse de uma festa, maneira de vestir arrojada. Corada e nitidamente preocupada sentou-se ao meu lado. Conhecia a de “olá e adeus” já tínhamos falado pelo menos três vezes mas todavia não éramos amigas.
Perguntei-lhe:
- Porque vieste ter comigo? o que escreveste é verdade ?- respondeu-me logo de seguida.
- Eu sei que não me conheces muito bem , mas sei que és das únicas pessoas que me podes ajudar.
- Que posso fazer por ti? – perguntei surpreendida. Parecia uma história de loucos, ela mal me conhece, e ainda quer que eu a ajude - Pensei.
-Acho que estou grávida, que posso fazer para sabê-lo? – perguntou.
- Vai à farmácia e faz o teste de gravidez - respondi naturalmente.
Respirou fundo e disse-me:
- Ninguém sabe disto...
- Eu sei que não tenho nada haver com isso – disse e continuei- mas, tens que me contar mais ou menos as coisas, não quero pormenores, é que se não me contares eu não sei do que estás a falar…
- Não me aparece à dois meses – respondeu
- Isso não quer dizer que estejas grávida- ripostei.
- Não mas … dormi com uma pessoa . – disse–me
- É teu namorado?
- Não.
- Então dormes com uma pessoa que nem namoras? – perguntei chocada.
- Bem íamos andar…
- Não te percebo mas a tua intimidade é algo que deixas que todos tenham acesso?
- Não mas íamos andar… - respondeu me secamente
- Sim claro… usaste algum método contraceptivo?
- Não….
- Não??! Mas vives em que século? Sabes a quantida de doenças que podes apanhar? – perguntei mais que chocada.
- Eu estava bêbada e ele também.
- Ainda para mais… desculpa mas vocês são uns irresponsáveis! - disse-lhe irritada.
- Eu sei, mas não volta a acontecer.- respondeu me e olhou para mim em desespero, eu sem saber o que lhe dizer respondi:
- Vai fazer o teste e depois diz me qualquer coisa, manda me uma mensagem, tens aqui o meu número.- respondi chateada pelas respostas que me tinha dado.
- Por favor não digas a ninguém.- sussurrou.
- Claro que não.- respondi

Sai da sala a pensar. Caminhava no meio das poças quando me lembrei d ´Ele.
Falei com Ele e disse-lhe:
-Eu sei que não sou ninguém para a julgar , mas há o minimo ... Sabes como eu sou em relação a essas coisas cada vez acho que as pessoas tem menos valores, não tem princípios, desde quando é que se dorme bêbada com alguém que mal se conhce?
E no instante em que O questionei lembrei-me da frase:
" Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra" Jo 8, 1-11
Soube então que não a devia julgar, quem era eu para a julgar? Eu que era tão pecadora ou mais que ela? Os pecados não são mensuráveis.

As questões surgiam na minha cabeça, tinha tanto em que pensar. Porque é que me contou tudo isto? Será que queria falar com Ele e não comigo?
Pedi-Lhe perdão por a ter julgado mesmo que inconscientemente, porque devia era falar com ela e tentar perceber o que se passava e o que podia fazer para ajudá-la, tal como Ele faria no meu lugar.

Nessa mesma tarde, recebi uma mensagem, dizia que o teste tinha dado positivo. Liguei-lhe, choramingava. Tentei acalma-la e dizer lhe que devia contar aos pais, recusava-se a fazê-lo visto que os pais achavam que ela era uma miúda de dezoito anos típica, que saia à noite com amigos, que se vestia bem, e que nunca tinha tido namorado.
Como podia ela dizer aos pais, que esta já não era a primeira vez que fazia o que tinha feito? Como podia dizer aos pais que estava grávida de um rapaz bastante mais velho e que estavam bêbados naquela noite? Ela que os pais julgavam que nunca bebia… Fiquei perplexa, será que aqueles pais conheciam a filha que tinham?
Pedi-lhe que nos encontrássemos, mas ela queria ir ter com o pai da criança que tinha no ventre, o que era compreensível.

Rezei muito naquela noite, pedi-Lhe que me ajudasse a falar-lhe como Ele me fala.
Pedi-Lhe que estivesse com ela, que a fizesse confiar n´Ele, e que tomasse a decisão certa, receava que ela fosse pelo o caminho mais fácil, que eu sabia não ser o caminho certo para aquele bebé.
Lembrei-me de Maria, e das suas palavras ao Anjo: " Eis a Serva do Senhor, faça-se em mim Segundo a Tua Palavra" Lc 1 38-39, e pedi-Lhe, que lhe desse a força para confiar N´Ele como Maria, sem medos, aceitando a vida daquele bébé.

No dia seguinte encontrei a na escola, com o ar mais natural do mundo fumava o quarto cigarro às dez para as oito da manhã. Fez-me sinal para não falar sobre nada, e ouvi a sua conversa banal com as amigas de longa data.
Senti-me estranha ao observá-las, saberia alguém que ela tinha um bebé dentro de si?
No fim das aulas falei com ela, expliquei-lhe o que achava, disse lhe o que Ele me dizia, e depois de muito falar ela respondeu-me:
- Não posso. Nem quero. Eu sei que tens razão fui uma irresponsável, mas se eu o tiver agora tenho a vida estragada. Além disso os meus pais não sabem nem sonham, nem podem saber!
Fiquei furiosa, ela queria fazer um aborto, discuti, tentei persuadi-la, mas nada… ela já tinha tomado a decisão.
- E o que acha o Pai da criança? – disse-lhe eu.
- Ele diz que eu é que sei, a barriga é minha, além disso, isto ainda nem é um bébé- disse e continuou - hoje vou a um ginecologista, depois logo vejo quando o faço.
Ainda tentei explicar-lhe porque é que não o devia fazer, mas já nem me ouvia, falei-lhe de associações que lhe podiam ajudar, pedi-lhe para ao menos falar com algum familiar, abanava a cabeça e já decidida disse-me:
- Não o quero, para mim isto não é um bébé, não percebes? Não é nada! - disse -me irritada.
Triste e desolada, caminhei para casa tropeçando nas minhas próprias lágrimas de fraqueza como é que se pode dizer que não a um filho? Para mim a vida é um dom de Deus e mesmo que não fosse desejado ou esperado, eu dava-lhe a oportunidade de viver, continuei a pensar no que faria eu na situação dela e tive a certeza que tinha aquele bébé, sim porque para mim já era um bébé, embora pequenino, embora ainda não passasse de um embrião, mas todos já fomos embriões faz parte do nosso crescimento enquanto humanos. Se não fosse um bébé então ela não estaria grávida estaria doente ou algo do género, mas a palavra grávida significa estar à espera de bébé. Pedi-Lhe perdão por não ter sido capaz de a ajudar, perguntei-Lhe que devia fazer, ligar aos pais dela e avisar? Mas eu nem tinha o seu número de casa! Falar com amigas? Mas ninguém me conhecia e achei que não era correcto espalhar algo tão intimo só para a “obrigar”a pensar.

Os dias passaram e eu rezei por aquele bebé, várias vezes discuti com ela aquele assunto, mas ela não nunca cedeu. Foi ao ginecologista e este deu-lhe o contacto de uma clínica em Espanha, três semanas depois, foi a essa clínica com o Pai da criança e duas amigas, disse aos pais que ia passar o fim de semana a casa da melhor amiga. O aborto foi assim feito, já ela estava grávida de três meses, por aspiração.

Quando regressou, veio ao meu encontro, eu nada lhe tinha perguntado, mas ela disse-me que antes de o fazer já não queria, porque tinha medo, mas que a agarraram e o fizeram, e segundo ela “ ainda bem que assim foi”, depois foi encaminhada para uma psicóloga, que lhe disse para não se dar com pessoas como eu, que era assim que ficava traumatizada.

Cheguei a casa desfeita, não tinha sido capaz, porquê? Questionei? a única altura que podia ter “salvo “ um bebé não o fiz, chorei de dor, e de tristeza. Só pensava naquele bebé, que já era um bebé, e que mesmo sendo tão pequenino merecia viver, mas que não o deixaram...

Senti o seu abraço envolver-me com Amor, disse-me que eu tinha feito tudo o que podia, que a culpa não era minha, que a decisão de o fazer não tinha sido minha e que rezasse não só pelo bebé mas também por aquele rapariga.

Rezar por ela? Ela que o matou, ela que é egoísta e que só faz disparates e que não assume o que faz? Ela que foi ao meu encontro para no fundo dizer me que vai fazer um aborto e que eu nada posso fazer para a impedir?

Sim por ela, porque ela precisa, que o Espírito Santo a ilumine e lhe dê força. Não te lembras que é importante amar mesmo os que nos viram a cara, pedir pelos nossos inimigos, pedir pelos que achas que não merecem? É verdade pede por Ela, porque Ela é a que mais precisa da tua oração.

E assim foi e ainda hoje, rezo por ela, porque sei que Ele aos poucos vai entrando dentro dela, e vai se revelando como faz em cada um de nós, e mesmo que ainda não o sinta, o Amor dele vai envolve-la e ela vai ficar tão surpreendida e tocada por esse Amor sem limites que Lhe vai pedir ajuda e Ele vai perdoa-la e levá-la ao colo como faz com cada um de nós.

11 comments:

Andante said...

Meu Deus, Joana!

É esta a nossa sociedade...

Que Ele nos perdoe.

Beijos peregrinos

J said...

Andante,

é bem verdade, antes eu pudesse inventar, mas tal como as outras estórias eu baseio-me sempre em factos reais, neste caso infelizmente.

Que Ele nos perdoe mas que nos acompanhe sempre mesmo quando caimos, e que nos leve ao colo.

Um grande beijinho

Fátima F said...

Ai ai ai,
essas palavras são tão cheias de sentido...procurando dar contornos a cada sentimento...parece tão real...a realidade que infelizmente tantas vezes é mesmo.

Bei-jo

Maria João said...

Não te sintas mal. Fizéste o que pudeste. Mostraste ser uma pessoa de confinça. Ela foi ter contigo.

Mostraste ser uma pessoa que ouve. Se ela foi irresponsável só tinhas de a alertar para isso. DEus queira que não haja uma próxima vez, mas se houver, sabemos lá que impacto as tuas palavras poderão ter?

Deste-lhe ajuda. Não contaste a ninguém. Rezas por ela.
Se não fizéste mais foi por que Deus assim não quis. Ele escreve direito por linhas tortas.

Força e continua assim: a ajudar quem precisa.

beijos em Cristo
Maria João

Era uma vez... said...

=)
=)
És um exemplo de quem vive a 1000% tudo aquilo que Jesus nos ensinou!

Grd beijinho

Anonymous said...

sempre que cá venho fico impressionada! tens sempre a histórias mais giras e mais verdadeiras para contar! Mis uma vez, sem palavras! :D

J said...

Gota de Chuva,

Obrigado pelo comentário, sempre que me lembro da frase da Madre Teresa de Calcutá lembro-me automaticamente de ti, porque o teu blog, faz tanta diferença.

Um grande beijinho


Maria João,

Obrigado pelas palavras de apoio que escreveu. Gostava de ter feito mais por aquela rapariga, gostava de ter agido como Ele agiria, ainda hoje me lembro das suas palavras com tristeza, mas sei e tenho a certeza que Deus sabe, melhor que ninguém o porquê das coisas, a mim simples ser humano limitado, só me resta rezar porque há tanta coisa que nunca hei de entender.

Um grande beijinho em Cristo


Inês,

Antes de mais obrigado pelo comentário, mas também tenho que agradecer a amizade que nos une, porque apesar de infelizmente não nos vermos muitas vezes ( sem contar com na missa lol ) - temos que mudar isto- à medida que o tempo passa vais te revelando nas palavras que escreves, nas frases que escolhes de outros, nas músicas que canto, e à medida que te vou conhecendo vou gostando mais de ti como o Principezinho da raposa, porque me vais cativando e isso é fantástico, é o efeito de Deus em nós, Ele que está dentro de ti vai te moldando e revelando a tua pessoa de uma maneira incrivel.

Relativamente ao que disseste de ser uma pessoa que vive 1000% adorava, mas sei que não sou, ainda tenho um longo caminho a percorrer, muita pedalada para dar, e ainda estou bastante atrás de ti mas sei que com Ele ao meu lado, o caminho será mais facil, os buracos serão saltados, os muros trespassados e as quedas aparadas, porque Ele nunca desiste de cada um de nós, mesmo quando nós desistimos d ´Ele.
E é tão bom e bonito ir descobrindo Deus no dia a dia, nos momentos que passam, nas pessoas, na vida, porque Ele se revela em todos e em todo o lado, temos é que Olhar com o Seu Olhar e não com o nosso.

Desculpa se me estendi lol

um GRANDE beijinho

Nônô,

Obrigado pelo comentário, mas comparadas com a tua história as minhas ainda tem que crescer um bocadinho, faz parte.
Fico muito contente por vires cá regularmente, porque também eu passo a vida no teu blog, e fico sempre espantada porque me consegues supreender constantemente pela positiva! Obrigado Eu!

Um grande beijinho com Cristo

Era uma vez... said...

CHINAMEN...

Quem sou eu para merecer tantos elogios... Sim temos que nos ver mais e mais...!!!

Grd beijinho

Pyny said...

Não fazia a mínima ideia de que a estória era baseada em factos reais, enquanto a lia. Apenas desejava que não fosse. Como é tão complicado lidar com tudo isto. É preciso rezar, como dizes, para que o Espírito Santo possa iluminar o caminho de quem se encontra no papel que nos mostraste!

J said...

Inês,

claro que merecias estes elogios!
Temos que combinar.

Um grande beijinho

Pyny,

Há estórias que não são baseadas em nada, são apenas fruto da minha imaginação e da Graça de Deus, outras são baseados em factos reais que eu própria assisti e dos quais dou o meu testemunho e a minha perspectiva como Cristã.
Claro que além de mim, Deus também está presente nas minhas estórias tal como está na vida de cada um de nós.

Também acho que é preciso rezar, rezar muito pelas pessoas que se encontram nestas situações, para que o Espirito Santo as ilumine e as Guie no caminho de Cristo.

Um grande beijinho

Madalida said...

Joana, que historia mais triste...parecia um livro emocionante...estava sempre com esperança que ela se arrependê-se e não fizesse o aborto. E quando soube que foi baseado em factos reais.... meu Deus, tenho tanta pena, principalmente porque este é um dos inumeros casos de mães que deciedem abortar.
Que Deus lhes dê força e coragem para seguirem o exemplo de Maria!
Um grande texto Joana!
Beijinhos

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