Friday, November 03, 2006


Ligou-me numa noite, estava eu sentado a ler. Esfreguei os olhos para ver as horas e pensei “ quem me ligará a esta hora?” a muito custo, levantei-me da cadeira e arrastei-me até à mesa para atender.
Ouvi um choro trémulo do outro lado, era ela.
As palavras eram murmúrios na escuridão, “comidas “ pela tristeza.
Sussurrei-lhe que se acalmasse e perguntei-lhe que se passava.
Respondeu-me, mais calma, mas triste:
- Nuno, entrei em Beja.
Aquela hora, admito que não soube responder, disse-lhe apenas com um ar meio perplexo:
- Mas entraste em Medicina certo?
- Sim, mas em Beja.
- Não te preocupes vai correr tudo bem! Já entraste! Não vês?! Entraste no que querias!
Depois de muita conversa à volta do assunto, ambos cansados decidimos falar no dia seguinte.
Pousei o telefone, fechei o livro e chorei.
Não sei se era um choro de alegria ou de tristeza, talvez fosse um misto dos dois.
Por um lado sentia-me tão contente por ela ter conseguido, porque se havia pessoa que merecia entrar era ela! Esforçava-se imenso, aplicava-se sempre e sacrificava-se por tudo. Mas por outro lado sentia-me profundamente triste, porquê na Beja? Porquê tão longe? E as nossas tardes juntos a falarmos de tudo e de nada, os nossos risos ao telefone diariamente, os nossos cafés sobre livros ou os nossos passeios à baixa?
Deitei-me logo de seguida pensando para mim mesmo, que jamais lhe daria a entender que estava triste, tinha neste momento, de ser um amigo à altura e ajudá-la a ir para a frente, mesmo que me custasse a sua partida.

Os dias passaram tranquilamente, ou pelo menos eu tentava que fossem tranquilos, ela andava apressada de um lado para o outro preparando tudo para a sua partida.
Jantamos várias vezes, tentado arranjar outras soluções, mas ia tudo parar ao mesmo, ela tinha que ir para a Beja.
O dia D chegou, chuvoso, tal como o meu espírito estava, levantei-me cedo, e rezei, pedi a Deus que a ajudasse nos dias difíceis que se seguiam, que lhe desse força para fazer aquilo que devia, que fosse o Seu Companheiro de todas as horas.
Sai de casa, liguei o carro e fui buscá-la, as malas eram tantas que parecia que íamos os dois para a china durante um ano. Chegados ao aeroporto, ficamos lá duas horas, o voo atrasou-se, ainda tivemos uma complicação à entrada com o check in visto que levávamos uma mala com ossos…
Chegou o derradeiro momento a despedia, foi simples e rápida, para que de ambos os lados não houvessem lágrimas.

Chegada à Beja, sentiu muitas dificuldades, a tristeza de estar longe de casa, as saudades dos amigos, a adaptação, o viver sozinha… tudo obstáculos para quem estava habituado a viver num berço de ouro.
Cada vez que lhe ligava ouvia o choro, a tristeza as palavras de revolta, e acalmava-a dizendo o que sentia, que tudo ia correr bem, perguntava-me como tinha eu tanta certeza, e eu dizia-lhe porque Ele estava com ela, e nada corre mal, quando Ele está ao nosso lado.
Rezei tantas vezes sobre a ida dela, pedi-lhe que também a mim me desse forças para lhe ajudar no que podia.
E no meio do silêncio da Oração, ouviu-o como se um sussurro se tratasse, Disse-me que não me preocupasse que tudo ia correr bem, se ela ia para a Beja era porque era a Vontade Dele, e que muitas vezes não a percebemos, mas que tudo tem uma razão de ser.
Ao contrário do que muitos julgam Ele não nos impõem um caminho, Ele mostra-nos o caminho certo, mas nós é que escolhemos se aceitamos o desafio ou se nos deixamos ficar, Ele respeita as nossas decisões, porque nos ama incondicionalmente, e nos aceita como somos.
Nem toda a gente largaria tudo para seguir um sonho, muitos recusariam e preferiam ficar em casa com todas as vantagens e protegidos, sem arriscar, muitos perderiam oportunidades mas ela não. Ela era mais forte do que julgava, ela iria conseguir ultrapassar os obstáculos, e crescer. Crescer a todos os níveis, viria diferente, com a cabeça mais arrumada do que já era, viria fortalecida. Ela seria capaz de confiar Nele, de se entregar e de acreditar em tudo o que Ele lhe dizia, ela seria humilde e aceitaria o seu caminho, mesmo que este lhe parecesse longo e difícil, ela caminharia no meio de tudo apenas com o Seu Amor porque este lhe bastaria para transformar as tristezas do dia em alegrias, o sofrimento em Amor, a revolta em esperança… Com Ele ao seu lado tudo seria mais fácil, porque seria a dois, porque sozinha ela não conseguia.
Eu sabia que Ele tinha razão, tudo têm uma razão de ser, se era esse o caminho dela, então só teria que o percorrer com Ele ao seu lado sempre.

Os anos passaram, hoje olho para ela com um ar cúmplice, temos ambos trinta e oito anos, a vida na Beja parece apenas uma história longínqua, porque já tanta coisa aconteceu desde essa viagem, Ele tinha razão ela conseguiu.
Olho para trás e vejo, o curso que tirou, a sua ida a África como missionária, o seu casamento, os filhos. É uma pessoa completamente realizada a todos os níveis.
E se ontem as dificuldades pareciam muitas, hoje olha para elas e sorri-Lhe por lhe ter dado a oportunidade de ser feliz.

2 comments:

Catequista said...

Sim, é verdade. Os caminhos do Senhor são insondáveis e a vida leva-nos a percorrê-los. Não é fácil, mas quando acreditamos que não vamos sozinhos, tudo se simplifica. Não podemos desistir, mas acreditar que Ele segue a nosso lado.

Fátima F said...

:)

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